domingo, dezembro 19, 2004

foi num dia de nevoeiro que te vi.

Foi num dia de nevoeiro que te vi. De costas, debruçado. Só reparei que entre o escuro existia alguém que nunca tinha visto. Tinha ido de férias e quando voltei apresentaram-te como um novo colega de trabalho.

Achei fantasiosa a tua postura, confesso. O jeito como te movimentavas, com esse quase metro e noventa, sempre esticado…a olhar de cima. O jeito como evitavas sorrisos gratuitos – só enrugavas os olhos com piadas subtis. O jeito como falavas, como esperavas o teu tempo para falar, como ouvias para depois dizeres coisas tão acertadas.

Impressionaste-me.

Não to diria agora se não estivesses já tão longe, não te confessaria, por exemplo, que me dava muito prazer ver-te fumar. Tudo em ti evaporava sedução.
E não eras bonito, não me acredito que algum dia tenhas sido. Tinhas o cabelo muito fino, muito negro, muito liso, que brilhava muito e com muita facilidade ficava oleoso. O teu rosto era estranho, mas não era bela a radicalidade dos teus traços – tinhas a ossatura do rosto bem vincada, um nariz grande, uns lábios nem muito grossos, nem inexistentes, mas que passavam despercebidos na tua desproporção.

Mas tinhas o sorriso mais encantador que eu já tinha visto… e tive de esperar algum tempo para te ver sorrir-me….
Lembro-me, nesse dia, puseram-nos a jantar juntos, conversámos muito. Partilhámos algumas dúvidas e episódios que faziam parte da nossa rotina e que quando tornados cúmplices ganhavam uma tonalidade satírica.

Gostei de ti nesse dia. O encantamento existiu acho que mesmo antes de saber quem eras, porque posturas como a tua sempre me entusiasmaram.

Falávamos descomprometidamente, quando nos esbarrávamos entre a copa e o balcão, ou quando calhava de partilharmos outras refeições.

No dia em que me vim embora, sem saberes de nada, entraste-me pela porta e deixaste um papel dobrado. Escondi-me precisamente no sítio onde nte vi pela primeira vez, debrucei-me e li-o. Li-te a ti e revi-me no que eras.
Só to digo agora porque sei que estás longe: eu chorei.

Mexeste-me de dentro para fora como se me tivesses atado fios e só me dei conta disso quando começaste a brincar ás marionetas e eu vi os meus membros dançarem ao teu ritmo.

Estava presa a ti. Sabia disso.

Sorrias mais frequentemente, trocava-mos conversas paralelas e desafios que nos faziam ir atrás do que éramos. Eu fazia-te reencontrares-te, tu mostravas-me técnicas de voo que eu ainda não sabia.

Fazias-me bem. De uma forma tão pura. Fazias-me eu, a cada momento contigo aprendia a apaixonar-me por mim…e tu ias sendo parte de mim. Ias soltando amarras e ias-me amarrando.

Acho que foi aí que a nossa história foi perfeita:
Amámos como quem solta as cordas das asas, mas desaprende de voar sozinho.

Hoje és uma sombra de ti. E só porque sei que estás longe é que te digo que sou a mesma, mas sem o teu sorriso…sem ti para me puxares pelos fios amarrados e para me fazeres dançar.

É que eu “só queria dançar contigo…”.


18.12.04
*Mó

2 comentários:

Patrícia Mota disse...

Mais uma vez uma excelente maneira de expor a alma... Só me pergunto por mera curiosidade se seras uma grande escritora ou se teras uma enorme facilidade em gritar alma...
De qualquer das formas se te apetecer visita o meu blog
http://gaivotinha.blogspot.com

luís redondo disse...

Há um "nevoeiro" denso que cobre as tuas palavras de misticismo... o mesmo nevoeiro que embriaga os teus gestos e o teu pensamento... O amor não se detém... Não faz questão de ser oportuno. O amor acontece, desabrocha, simplesmente. E que podemos nós fazer, senão deixarmo-nos levar pela força arrebatadora que é...? Quando o ele vem, tudo deixa de ser simples...
Como te entendo... :)
Até breve.
Luís (aeflup)