segunda-feira, fevereiro 07, 2005

"conta-me histórias..."


 

Foi durante a guerra que o meu pai pediu a minha mãe em casamento.
África, guerra colonial.

Ás vezes ponho-me a tentar fazer uma estimativa completamente absurda de quantos casais se terão formado aí. Depois, quando me lembro que os casais não se formam, desisto de investir nessas parvoíces de menina apaixonada... e penso em ti. Dessacralizo os contos de encantar e vejo-te aqui.

A minha mãe foi madrinha de guerra dum militar que apareceu entre as páginas de um jornal - ele defendia a pátria, ela preservava a honra de uma menina de bem, na tenra idade de quem ainda quer crescer...(é aqui que reside o primeiro de todos os cadeados que fecham a inocência atrás das nossas costas: o querer crescer... É pura ingenuidade ter vontade de deixar de ser ingénuo.).

Ela era pequenina, com a mesma idade que eu, precisamente.
Se a história se repetisse, eu casaria daqui a um mês. Se a história se repetisse, tinha saído do meu país antes do último natal, e tinha deixado os meus textos e os meus desenhos esquecidos do outro lado do mundo. Se a história se repetisse, não voltava cá nos próximos 30 anos, não via o vazio da lua nova do céu de hoje, visto daqui.

Mas as histórias não se repetem...porque nunca são histórias escritas pela mesma mão, na mesma folha. Também porque não existem histórias de encantar...existem, isso sim, pedaços de vida que se vêm encantados, e que soletramos com prefixos e metáforas demasiadamente belas para serem sujeitos e predicados. Até aquelas coisas que se contam ás crianças, das fadas sininhos, dos gatos das botas e dos pés de feijão são só encantos... com qualquer coisa de história apenas porque existem pela eternidade fora, não porque algum dia tenham existido.

Eu acredito nos encantos. E nos feitiços dos magos e dos duendes que têm potes de ouro no fim do arco-íris.

A minha mãe e o meu pai apaixonaram-se um dia, acredito. Mas não foi num daqueles dias mágicos, em que acabou a guerra, ou a primeira vez em que se viram, nem sequer foi no dia em que ela se vestiu de princesa com um vestido branco e um ramo de flores na mão (parece que nesse dia trocaram alianças, os dois...). Acredito que souberam ler as mãos um do outro como tu lês as minhas, e adormeceram-se no colo, suspiraram como tu e eu fazemos.
Um dia, também, amaram-se. E outro dia, muitos dias depois, deixaram de se amar.

Eu existi entre isso.

Ás vezes ponho-me a pensar quantas histórias semelhantes à deles existiram em paralelo. Com mãos lidas de maneiras diferentes e suspiros mais ou menos profundos...mas histórias paralelas à deles.
Depois, deixo-me de parvoíçes, e penso em ti. Vejo-te aqui e depois deixo de te ver porque me lembro que não estás deitado no meu colo, a suspirar. Dessacralizo as histórias de encantar porque finalemnte sei que elas não existem... e isso faz delas mais especiais ainda.

É que aquilo que não é meu porque não é de ninguém é muito mais fácil ser de nós os dois...quando sabemos que não existem histórias de encantar é mais forte fazer uma que começe do zero.


06.02.05

*Mó

4 comentários:

Jesús Calero disse...

Como de un largo viaje regreso. Una calle sin nombre en la fotografía, un fotograma perdido de una buena película de seres luminosos, de hombres y mujeres perdidos, de guerras y amores, de cielos inmensos y tal vez odios imposíbiles.

oh, quelles amours!

Relato de sentimientos borrosos y ciertos. Nos movemos en la bruma de los días, la bruma que nos hizo posibles, la única niebla que nos hace posibles aún.

Y la gaivota continúa volando y volando, escribiendo.
Y la sirena canta...todavía

aquele a quem chamam Jonas disse...

joderrrrrr! que poetico, cońo!
que bonito suena el castellano aunque este' mediado por vidrios de pantallas en los ordenadores...

Anónimo disse...

Never seek to tell thy love,
Love that never told can be;
For the gentle wind does move
Silently, invisibly.

I told my love, I told my love,
I told her all my heart;
Trembling, cold, in ghastly fears,
Ah! she did depart!

Soon as she was gone from me,
A traveler came by,
Silently, invisibly
He took her with a sigh.

Anónimo disse...

ora aqui temos um letrado, a usar o seu conhecimento de blake...=/...n esta la mnt adequado ao post, mas ça va...