Enquanto ele esvoaçava as velas erguidas mar adentro, ela tinha nos olhos uma maresia que decidiu amar.
Amarravam-se nos portos e esqueciam as promessas eternas.
Ele desabotoava-lhe os botões da camisa de linho e deixava que o vento lhe descobrisse o que a saia adivinhava.
Ela cheirava-o e aspirava-lhe o corpo com as mãos. Beliscava-o, agarrava-lhe a nuca e mordia-lhe o pescoço. Adorava vê-lo fraquejar, na corda bamba entre a loucura e a saudade. Esqueciam as promessas eternas e deixavam-se cúmplices dum sol quase posto, de dois corpos quase sós.
Separaram-se.
Num lugar de ninguém onde não há tempo nem luar.
Ela ficava à espreita, atrás dos mastros, enquanto tecia tramas das vazias promessas eternas que não conseguia esquecer.
-"É melhor assim." - deixou-a. Partiu.
Disseram-lhe que não mais o viram em paragem noutros portos. Ele disse-lhe que não fraquejaria nunca mais, que era do vento e do momento que viesse a seguir.
Disse-lhe que era dela mais do que queria, mais do que aquilo que podia querer dela. Era do vento, não podia ser de ninguém.
Nunca quis que ela lhe contasse histórias reais , de lugares reais - habituou-se a viver no céu que ela pintou só para o receber.
Nunca mais se tocaram.
A camisa desabotoada é parte duma promessa que ela não quer mais esuqecer.
Ele sugou-lhe pelos lábios o sorriso. E partiu...
Quando ela acorda, ou quando não se deixa adormecer, lavra lágrimas entre as águas traiçoeiras.
Vê-o de longe, ás vezes - com o mastro ao alto, num leme que ela escolheu.
Acena-lhe e esvoaça a saia - deixa-se cair.
Ele fica à deriva.
Não retorna a bom porto.
...não volta.
Todos os dias ela ouve o mar traiçoeiro inventar mentiras sobre uma lágrima que diz tê-lo visto chorar.
Todos os dias lhe contam que não mais o viram voar entre as redes duma teia de promessas eternas que não se quiseram cumprir.
Todos os dias ela tenta acreditar que são mentiras as verdades que ouve. Tenta achar eterna a última promessa de todas -
-"Não voltarei..."
Todos os dias tenta não morrer mais.
Não amar mais.
Ela sabe que ele é filho do vento - ela é amante do mar. Ela sabe que as velas erguidas vão sempre trazê-lo de volta...por mais que não a olhe, é ela que vê.
Ela sabe que um dia, no mais belo sol posto, ele vai chegar.
Com os olhos embebidos em saudade, vão voltar a quebrar as promessas eternas que os deixaram tão longe.
(Deixa-te embalar. Adormeçe de vez no colo dum anjo que saiba onde te escondes!
O teu lugar é aqui, onde te espera a sereia com a saia esvoaçada, no mar que chora por ti todas as manhãs.
Não te vais encontrar nesses lugares onde esperas que te procurem - a ausência do que te quer fazer eterno é a condenação à contra-maré.)
Um dia, cansado, tu retornas.
Um dia, cansada, esqueço-me que vens.
*Mó
19.08.05
"Is this the place we used to love?
Is this the place that I've been dreaming of?
Oh, simple thing, where have you gone?
I'm getting old and I need something to rely on.
So tell me when you're gonna let me in,
I'm getting tired and I need somewhere to begin.
So if you have a minute why don't we go,
Talk about it somewhere only we know?
This could be the end of everything.
So why don't we go somewhere only we know,
Somewhere only we know."
(Keane - somewhere only we know)
3 comentários:
Uma lenda...
um conto...
Olá salamandra... acabei de saborear estas tuas palavras e fiquei com a sensação de que li uma história de lendas, de amor entre o mar e a terra , entre o vento e ... o que fica preso !!
Adorei .. adorei as palavras, foto ( simplesmente fantástica )... adorei voltar e poder ler tantas letras que juntas fizeram uma história bela...mas triste !!
Bjs ... sempre doces ;-) !!
Pescador
Vim através do teu cantinho no Olhares.com e descobri que temos dois gostos em comum. Fotogafia e Escrita! Como gostei vou voltar!
jokas
Um dia, cansados, esquecem as promessas e o caminho de volta.
Mas não pode cansar a espera dos sonhos, não pode. Espera de olhos fechados, para a surpresa ter mais sabor.
Não te vou escrever a música que o teu texto me faz lembrar. Tu sabes la melhor que eu.
Um beijo
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