terça-feira, abril 26, 2005

Vinha meio rasgado, mutilado, húmido e ressequido, entalado na ranhura metálica.
Vinha rabiscado, selado, carimbado pelos sitíos donde veio, e pelo sítio onde chegou antes de chegar até mim.

Vinha sozinho, esvoaçado, com ar de quem sabia que não era esperado.
Quem sabia que era a coisa mais desejada naquela manhã de céu nublado.

Vinha acastanhado. Papel reciclado, como se fosse um segredo embrulhado num enredo com um remetente e um destinatário colado.
Com o meu nome desenhado.

Vinha de ti.
Entalado na ranhura da caixa do correio que fica mesmo ao lado da porta de entrada do meu canto encantado.
Agora bem mais dactilografado.

Vinha desse lado da terra onde se cantam coisas que eu não sei ler, de onde me escrevem sonhos que cantei quando encontrei perdidos.
Húmidos.
Num envelope reciclado, sozinho na ranhura metálica da caixa que tenho ao lado da porta.

Vinha com o cheiro das mãos todas que o quiseram. Das vidas de quem não tinha o nome no destinatário.
Agora cheira à saudade.
Só agora, que te vê de longe é que cheira a ti, porque cheira a mim quando não te tenho e te sinto aqui ao lado.

Vinha de ti, com o teu ar despistado e baralhado de quem sabe ver o sol num dia como o de hoje...nublado.

Fazes-me falta, tolinho...volta depressa e puxa-me as orelhas quando chegares.
Ou canta-me todos os dias...agora que sei o que dizes já te oiço aí de longe.

(a quase-musa quase-idiosincráthica salamandra*)

*Mó

2 comentários:

Perséfone disse...

é por isso mesmo que estimo todas as cartas que me mandaram e por isso mesmo que adoro escrever cartas.. *

Patrícia Mota disse...

É por isso que se deve ter muito cuidado quando se escreve.
As cartas sao imortais e tornam eternos todos os sentimentos. As palavras que nos escreveram ontem e que podemos ler hoje mesmo que hoje elas ja nao existam porque hoje ninguem as escreveu. Elas estao lá. É sempre uma grande dadiva, uma carta. Chama-se eterna. Chama-se sempre. Para sempre.

É por isso que em alguns dos meus ataques anti-passado faço uma fogueira no quintal [e outra na memoria] e queimo cartas e fotografias, as vezes sinto-me ate queimar por dentro...