quarta-feira, março 30, 2005

principezinho.(tu?)

Cresci a olhar para os espelhos dos olhos dos outros.
Diziam-me que não me viam quando lhes perguntava onde é que eu cabia.
Diziam-me tão pouco além disso.

Fechava-me no meu quarto, com a porta entre-aberta - uma frincha com espaço para dois dedos da mão direita da minha mãe, e sentava-me no chão a fazer de conta que as bonecas todas tinham vozes e que ás vezes até deixavam de ser as minhas melhores amigas, para no dia seguinte fazermos as pazes e eu ter mais um bom motivo para voltar ao meu nicho no meio do chão.

Tinha a alcatifa empoeirada, e adormecia muitas vezes entre uma historia e outra. Deixava as personagens fazerem as escolhas delas, mesmo quando não cambaleava com as pestanas pesadas, fazia de conta que adormecia.
Depois, quando acordava, achava sempre que tinha deixado tudo noutra posição, que eles todos tinham vivido durante a minha ausência silenciosa.

Mesmo quando me fechava no quarto, fugia dali.

Nunca troquei uma boneca, um berlinde, e até os autocolantes das cadernetas me faziam tremelicar uma lágrima quando despareciam.

Nunca ganhei aqueles concursos que faziam as minhas colegas- não fui a menina mais gira, nem a mais simpática, nem aquela que tem o carro mais bonito, o cabelo mais macio.

Nunca tive os olhos azuis, nem as mãos quentes.

Não sei jogar futebol, não conseguia trepar as arvores e quando saltava à corda, tropeçava.

Não trocavam bonecas comigo.
Nem berlindes.
E eu dizia que não queria, que não precisava.

Chamaste-me pelo nome que inventaste para mim. Inventaste que eu inventava os nomes das coisas. Eu só te disse que te inventei a ti.

Só a ti. Como às bonecas que eu nunca troquei.

(colei um espelho gigante na porta do quarto. já não a deixo entreaberta.)




Don't stop moving, you must keep on going
don't you stop believing, you should go on dreaming
Don't stop moving, you must keep on going
don't you stop believing,
'cause its people like you that make the world go...
(...)
If you ever need me, just remember
and i'll always be there
If you ever miss me, don't you know
...don't you know...
...we will meet again
...we will meet again


(Coldfinger - cover sleeve)


30.03.05
*Mó

1 comentário:

Anónimo disse...

:)
Estranho não te teres sentido muito bonita antes e agora possuires um espelho gigante que te mostra o quão bela estás. Mas acho que é natural as coisas serem assim mesmo.
Também eu vivi por trás do espelho dos olhos dos outros e só mesmo agorinha é que decidi abandonar essa postura, para conseguir encontrar-me e amar-me. Por isso o primeiro post que li aqui neste blog me interessou. Há muito pouco tempo acordei e lembrei-me do meu sonho... era eu a falar comigo própria