domingo, janeiro 02, 2005

primeiro de janeiro.

Garrafas partidas pela rua. Pontapeadas, rendidas aos escombros da noite que acabou.

- O chão dói nos olhos, mamã!
- É a luz, como no arco-íris.
- Mas o arco-íris está mais longe, não está?

01 de Janeiro de 2005

Trazia uma saca rosa na mão direita. Tinha a mão esquerda em punho, escondida na manga comprida. Usava luvas pretas, um casaco desbotado, a trança desfeita e os passos coreografados para passarem entre os vidros sem tilintar toda a cidade. Partiria hoje.

10h:36m
ninguém passa na rua. Uma ressaca urbana ou um caos adormecido? Um acordar?

Nas portas fechadas ainda existem restos de tons vermelhos e brancos, anjos e penugens e alegorias ao velho das barbas.
Ao fundo, muito longe, pareceu-lhe ver um gato branco. Aproximou-se, tinha um par de pérolas azuis que a observavam, o pelo curto não reagia à velocidade do vento que lhe desmanchava a trança a ela.

01 de Janeiro de 1996


10h:25m
Recebeu uma mochila pelo Natal. Na altura, chorou sem ninguém ver, ela detestava aquela cor, sonhava que um dia havia de ir para a tropa como “os meninos da escola da mana”.

- Mas é tão linda, filhinha...
- Não gosto! Sabes que eu detesto cor-de-rosa!

- Vamos dar uma volta, ver as ruas a dormir...
- Não quero!
- Vê como falas com a avó!
- Já disse que não quero!

10h:32m

Tem os olhos inchados e tem vergonha de ter de os abrir. Mesmo sem ninguém para ver, ou talvez por isso mesmo, sentia falta de alguma compactuação com aquele desconforto birrento. Levava a mochila rosa que a avó ofereceu e deixou os sorrisos todos trancados no quarto.

- Anda comigo, vou-te mostrar a camisola que o tio ia comprar.

Entre duas casas havia uma passagem muito estreita. Dois lanços de nove escadas cada, deglutidos por duas paredes com quase 10 metros de altura. Não tinha corrimão, e a sétima escada do segundo lanço escasseava em alguns pedaços.
Olhou para trás, não ouvia já a avó...desatou a subir.
Sorriu à socapa, enquanto apertava os cordões com a maior fugacidade. Dois degraus depois e tropeçou no laço mal feito.

10h:36m
Ficou sentada, à espera que alguém a encontrasse, à espera de ter vontade de ser encontrada.
Enfiou a cabeça no capucho amarelo, calçou as luvas e apoiou os cotovelos nos joelhos, o queixo nos cotovelos. Pestanejou muito devagar, tão devagar que, ao abrir as pálpebras pesava-lhe já luz da sombra. Ou talvez não fosse isso, havia dois focos que a fitavam.
Ele era loiro, tinha os cabelos muito curtinhos como os meninos malandros costumam ter.

- Queres?
- São de quê?
- De café, só gosto destes rebuçados, os outros colam nos dentes.

(continua...)

1 comentário:

aquele a quem chamam Jonas disse...

imbala, preta, imbala
imbala me esta menina
qu a menina vai dormire
porqu ela i é piquininha

e tamém tu, Maria
ped àquela cotovia
que fale más devagare
não vá João acordare

calai vos, águas do moinho
Mário, fala más baxinho
deixa o menino dormire
tá no primeiro soninho


embalo
tradicional da Madeira