terça-feira, maio 23, 2006

Tenho 30 minutos e meio para encher esta folha.
Quero fazer dos meus dedos peregrinos de um pleonasmo de vidas banais e habituar-me à ideia de ficar descalça sem ver o sol a nascer.
As vontades também são contagens decrescentes no relógio dos encantos, como são sempre segundos finais todos aqueles que antecedem uma vida eterna. Tudo em contra-relógio, menos eu, que vou tendo só 28 minutos para dizer o que penso sem sentir o que digo.
Magoa-me. Magoa-me muito não ter pêndulos na alma, como quem tem relógios nos pulsos.

Descalça, o chão é mais quente e as mãos mais pesadas, a gravidade é membro de paz e viaja em mim como se fosse ela mesma uma peregrina do que devo ser. Do que não sou.

Perco-me pelos caminhos e páro em portagens com retornos em contra-mão - regresso quase sempre e trago às costas mais vértebras que, ao fazerem com que eu cresça também destroem o equilíbrio vertical da minha postura inicial. Vou tombando, mas debruçada para trás, até ficar em ponte, virada para cima e de olhos abertos, para depois, no fim dos voos todos, descansar deitada e de olhos fechados.

Fico realmente chateada quando me acontecem desiquilíbrios assim. Tenho pouco menos de 25 minutos para preencher as linhas que me faltam e já existiu o meu "grand final" no parágrafo anterior. Não meço o tamanho dos espaços antes de trepar aos seus limites e depois canso-me...páro, recomeço e acabo por não chegar a lado nenhum - caminhar é o lugar final.

Mais dois ou três vocábulos, mais uma ou duas linhas e volta tudo ao normal - as horas mudam na Primavera, e no Outono também, porque as coisas grandes das espécies totais sabem que há sempre um ou outro ajuste por fazer.
Hoje não me apetece cair. Descalça ainda, e com uma ou outra vértebra a mais, tombo para o céu como seria previsto mas não rastejo de tornozelos cambaleados - amanhã farei as coisas banais de andar por aí com noção do tamanho dos lugares que calço.




Atraso o relógio e desligo o alarme.
Tenho 20 minutos mais a vida inteira para as frases todas das folhas todas do mundo todo que é meu.


*Mó
23.05.06

4 comentários:

Patrícia Mota disse...

Porque falas como se estivesses no chão, se a tua moradia é o ceu?

E horas, atrasos, relogios, alarmes são para seres banais. Que sabem que um dia o tempo se esgota e que amanha já ca não estamos para o ver passar...

Nós somos de outra pintura.
Mas as vezes deve ser bom sonhar que somos tão iguais a todos os outros.

Um beijo*

(Sim, vou voltar...)

C.R. disse...

Acordo sempre um minuto antes da hora, o despertador nunca chega a tocar, não sei se é alma ou fisiológico, mas o pêndulo indica-me o momento certo em que incumbe espertar, voltar a repisar o dia de ontem, velo o desejo não lhe dar corda… quimera pensar que terei um pêndulo que me de a eternidade.

Quanto as horas que mudam , preferia que ficassem as mesmas … passando para “Hoje não me …”

Perco-me…

DarkViolet disse...

Pim...Pim...Pim...as últimas gotas de água caem, e o segundos não se renovam...

lampâda mervelha disse...

Tic... Tac... (...) Gostei.