terça-feira, novembro 01, 2005

[Desta vez.]

Vou-te ser muito sincera, desta vez.

Já não nos falamos faz tempo, e o que aqui disser não vai ser mais uma vontade de contar a nossa história à minha maneira.
É vincada a certeza de que não te tenho, mais vincada é agora a coerência de que sou o que nunca terei – porque, como tu, não sou de ninguém, e esse ninguém inclui-me na primeira pessoa.

Vou-te dizer que foi importante a primeira vez que te vi, e que não me lembro bem, que foi importante não ter notado nessa altura que estavas numa encubação silenciosa antes de me sanguessugares as coisas de encantar.

Foi importante seres uma surpresa, que eu só soube quando me disseste que te encontrei.

Foi, a certa altura, vantajoso saber que existias, mas só até cercares a minha paz com a tua presença anunciada - que eu anunciei.

Foi bom ouvir-te cantarolar velhas insígnias dum enamoramento que se sabe através de tantos outros séculos de amores que tenho lido por aí.

Foi o aceitar as tuas eternidades como minhas veleidades que fez com que desencarnasse das etéreas vontades que me afrontam de vez em quando – foi bom querer ser a tua rotina quando a minha rotina era a chaga que me electrocutava os sonhos.

Foste, enquanto foste aqui comigo, uma inspiração quieta, serena, de quem há muito queria respirar noutro corpo.

Não mais que isso.

Era bonita a música que baptizamos, especial a lua que alugamos, infinita a história que contamos um ao outro, nas noites de Inverno tardio, quando me vinhas buscar a casa.

Era linda, muito linda
, a simplicidade das personagens, a menina dos envelopes, o teu ombro com o teu violino, a hipnose quase ridícula que ele provocava em mim quando tinhas as mãos a fazer sons e os olhos fechados a ouvi-los.

Era perfeito o ridículo daquele fascínio, quando “ridículos são os que nunca escreveram cartas de amor”, mais ridículos serão os que não lêem o amor que lhes escrevem.

E foi delicioso ver-te nos instantes em que me lias.

Mas nada é tão importante assim.

Procurei-te tantas vezes em mim, para ver se tinhas sobrado no que eu criei.
Plantei-te na alma, com os pedacinhos que não conseguiste levar.
Tentei falar contigo, telefonei-te para te perguntar pelo tempo, por músicas emprestadas, outras devolvidas.
Sufoquei qualquer hipótese de não parecer que te precisava sereno, como a inspiração que me adaptou, a que me adaptei.

Passam-se as águas por baixo dos pés, os ventos por entre os braços e continuo estática, a borbulhar paixões de mim para mim, sobre criaturas extraordinárias que sabem transformar as coisas simples em simples coisas de sonhar.

Mas vou-te ser sincera – nada é tão importante assim.

Não foste capaz de me desembrulhar da pele de linho, mas fizeste da minha pele de carne a mais dolorosa. Para viver sem o conforto de fazer minha a tua sorte tive de fazer figas com os meus dedos e avançar para dentro de mim.

Cheguei perto de me amar.
Muito perto.


E fugi a tempo. Porque amar o que não se terá nunca é lição do passado onde te arquivei.
Porque nada é tão importante assim…porque descobri de uma vez que nunca amei a tua força, nunca invejei a tua garra – saboreei a tua glória porque ela me pareceu bem mais simples que a minha luta.

Porque foste o que pudeste, porque és o que quiseres sem atropelos de maior.

Porque te ofereceram as sortes todas e tu brilhaste maravilhoso, enquanto eu fiquei maravilhada.

Porque tens o requinte de decidir o que faz de ti mais especial, não porque tenhas de gritar como eu grito por tudo o que decido que me faz mais real.

Porque eu sou guerreira e tu és vitorioso, não porque tenhas sido alguma vez mais merecedor do que eu.

E vou-te ser sincera, na batalha dos amantes não houve mortes anunciadas, só a perda duma aliança que seria perfeita – perdeste tu, já que eu parti nesse duelo sem previsões dum final.


31.10.05
*Mó

3 comentários:

Patrícia Mota disse...

Gosto de histórias de amor, gosto sempre. Ainda mais quando vejo a leve linha que separa a realidade do encantado.

Não gosto de finais tristes, em que alguem perde alguma coisa
Mas nada é tão importante assim.
E um dia aprendemos que não chegamos nunca a perder nada, porque no fundo nada foi realmente nosso.

Que se levem um ao outro nas memorias dos abraços e das entregas supremas, as de alma. E se nunca perderem esse sabor a passado não perderão nunca nada.

Podia ousar "inventar" o resto da história, não o faço, porque ao contrario de ti não lhe sei imaginar um fim.

Um beijo

sofiasegredo disse...

Estava com saudades de te ler. Sabe bem ouvir sobre as histórias dos outros, ainda por cima tão bem contadas.
Acho que tens algo a aprender ainda sobre amor. Mas ainda tens tempo.

aquele a quem chamam Jonas disse...

:)