segunda-feira, novembro 21, 2005
Repete tudo.
Repete tudo.
Só mais uma vez
para que de vez te troque por mim.
Em súplica te ordeno
Que condenes o que te é eterno,
o mais tumultuoso contentamento.
em sonos de azul e de vento.
Ordeno-te o meu firmamento.
Transladei os tumultos.
Enterrei os vultos.
Túmulos ocultos
Que eu ocultei.
Repete as sílabas adocicadas
Com letras envenenadas
Para que sucumba outra vez.
Repete a porta de entrada
E a fuga por validar.
Que por repetir a tua invalidez
Validei a vontade pouco acertada
De errar.
21. 11. 05
*Mó
sábado, novembro 12, 2005
Pego nas penas e junto-as uma por uma, pela ordem certa.
Faço um conjunto equilibrado, de peças conexas pelo desenho que achei mais delicado.
Calculo qual a pena mais pequena, qual a mais eterna, qual a que um dia, por esquecimento, deixei no bolso do casaco. Defino a hierarquia de todas, de cada uma em solidão e do espaço entre elas que tenho de deixar para que todas respirem melhor.
Algumas são coloridas, outras foram perdendo o contraste, foram ganhando camaleónicas adaptações à condição de passado. Todas já foram uma só, e quando todas as penas são uma só deixam de ser penas e são uma pluma de eternizações.
Foi bonito vê-las no fim, organizadas, da mais pequena à maior, da mais escura à mais iluminada, por ordem de importância, por desordem de pertinência – todas as penas são pertinentes, e uma de cada vez é-o mais ainda.
Colei-as com cuspe, daquele mesmo cuspe salgado que as vezes, quando não sabia onde tinha escondido uma pena ou outra, eu tinha nos olhos.
Esperei que secassem, que mirrassem devagarinho para eu pintar com cores os bocadinhos que iam ficando em branco entre uma e outra.
Foi demorado o processo, tive de encontrar uma por uma, tirar o pó, abraçar todas duma vez, não deixar nenhuma escapar no vento e contá-las com cuidado. As que estavam partidas foram as mais difíceis, porque penas partidas não têm arranjo, são como os caramelos que depois de derretidos não voltam mais. Essas, tive de tentar mais do que quaisquer outras encontrar o lugar onde se partiram, tentar entender quem estava com elas e quantas lágrimas as curaram.
Tive de chorar essas lágrimas todas e esperar que o sol as secasse do sal.
Depois também haviam algumas que eram teimosas. Diziam que não eram penas minhas, que eram virtudes de enganos que fui fazendo por aí. Diziam que não seriam condenadas a um quadro completo quando não viam em nada motivo de condenação.
Penas revolucionárias, chamei-lhes eu.
Prendi-as nas minhas pestanas e fi-las chocar nas pálpebras até elas entenderem o que eu queria que elas vissem no que eu via longe.
Quando achei que estava um conjunto equilibrado, pus um parafuso bem resistente pregado em algodão doce.
Pendurei o quadro e soprei com força.
Era o quadro mais bonito do mundo todo naquele momento. Mas também era o mais agarrado ao chão.
Soprei com mais força ainda.
Mas penas passadas não voam organizadas, pintadas nos buraquinhos em branco, presas à nuvem mais doce.
Penas passadas não se colam com lágrimas, não se rendem aos ventos.
Pousam no chão, ganham pó. Algumas teimam sempre, mesmo esmagadas entre as pálpebras, que não são penas de paz. Lutam contra a volatilidade e dizem-se penas pesadas de coisas que não são condenações.
Mas não voam.
Nem se enterram.
Antes de dormir, passo sempre um último segundo a secar uma lágrima. É sempre só mais uma, e é sempre demorado o processo do instante em que ela vai embora.
Antes de dormir olho o chão e olho o céu. Depois passo sempre um último segundo a secar uma lágrima. E é sempre a última.
Antes de dormir…seco as penas e voo. Seco a última lágrima no último segundo: enterro as penas pesadas, pinto os bocadinhos em branco debaixo dos pés e deixo tudo ganhar pó.
Antes de dormir sopro a nuvem, com o sal seco nos olhos e voo. (Sem penas a mais para me prenderem ao chão).
09.11.05
*Mó
Faço um conjunto equilibrado, de peças conexas pelo desenho que achei mais delicado.
Calculo qual a pena mais pequena, qual a mais eterna, qual a que um dia, por esquecimento, deixei no bolso do casaco. Defino a hierarquia de todas, de cada uma em solidão e do espaço entre elas que tenho de deixar para que todas respirem melhor.
Algumas são coloridas, outras foram perdendo o contraste, foram ganhando camaleónicas adaptações à condição de passado. Todas já foram uma só, e quando todas as penas são uma só deixam de ser penas e são uma pluma de eternizações.
Foi bonito vê-las no fim, organizadas, da mais pequena à maior, da mais escura à mais iluminada, por ordem de importância, por desordem de pertinência – todas as penas são pertinentes, e uma de cada vez é-o mais ainda.
Colei-as com cuspe, daquele mesmo cuspe salgado que as vezes, quando não sabia onde tinha escondido uma pena ou outra, eu tinha nos olhos.
Esperei que secassem, que mirrassem devagarinho para eu pintar com cores os bocadinhos que iam ficando em branco entre uma e outra.
Foi demorado o processo, tive de encontrar uma por uma, tirar o pó, abraçar todas duma vez, não deixar nenhuma escapar no vento e contá-las com cuidado. As que estavam partidas foram as mais difíceis, porque penas partidas não têm arranjo, são como os caramelos que depois de derretidos não voltam mais. Essas, tive de tentar mais do que quaisquer outras encontrar o lugar onde se partiram, tentar entender quem estava com elas e quantas lágrimas as curaram.
Tive de chorar essas lágrimas todas e esperar que o sol as secasse do sal.
Depois também haviam algumas que eram teimosas. Diziam que não eram penas minhas, que eram virtudes de enganos que fui fazendo por aí. Diziam que não seriam condenadas a um quadro completo quando não viam em nada motivo de condenação.
Penas revolucionárias, chamei-lhes eu.
Prendi-as nas minhas pestanas e fi-las chocar nas pálpebras até elas entenderem o que eu queria que elas vissem no que eu via longe.
Quando achei que estava um conjunto equilibrado, pus um parafuso bem resistente pregado em algodão doce.
Pendurei o quadro e soprei com força.
Era o quadro mais bonito do mundo todo naquele momento. Mas também era o mais agarrado ao chão.
Soprei com mais força ainda.
Mas penas passadas não voam organizadas, pintadas nos buraquinhos em branco, presas à nuvem mais doce.
Penas passadas não se colam com lágrimas, não se rendem aos ventos.
Pousam no chão, ganham pó. Algumas teimam sempre, mesmo esmagadas entre as pálpebras, que não são penas de paz. Lutam contra a volatilidade e dizem-se penas pesadas de coisas que não são condenações.
Mas não voam.
Nem se enterram.
Antes de dormir, passo sempre um último segundo a secar uma lágrima. É sempre só mais uma, e é sempre demorado o processo do instante em que ela vai embora.
Antes de dormir olho o chão e olho o céu. Depois passo sempre um último segundo a secar uma lágrima. E é sempre a última.
Antes de dormir…seco as penas e voo. Seco a última lágrima no último segundo: enterro as penas pesadas, pinto os bocadinhos em branco debaixo dos pés e deixo tudo ganhar pó.
Antes de dormir sopro a nuvem, com o sal seco nos olhos e voo. (Sem penas a mais para me prenderem ao chão).
09.11.05
*Mó
terça-feira, novembro 01, 2005
[Desta vez.]
Vou-te ser muito sincera, desta vez.
Já não nos falamos faz tempo, e o que aqui disser não vai ser mais uma vontade de contar a nossa história à minha maneira.
É vincada a certeza de que não te tenho, mais vincada é agora a coerência de que sou o que nunca terei – porque, como tu, não sou de ninguém, e esse ninguém inclui-me na primeira pessoa.
Vou-te dizer que foi importante a primeira vez que te vi, e que não me lembro bem, que foi importante não ter notado nessa altura que estavas numa encubação silenciosa antes de me sanguessugares as coisas de encantar.
Foi importante seres uma surpresa, que eu só soube quando me disseste que te encontrei.
Foi, a certa altura, vantajoso saber que existias, mas só até cercares a minha paz com a tua presença anunciada - que eu anunciei.
Foi bom ouvir-te cantarolar velhas insígnias dum enamoramento que se sabe através de tantos outros séculos de amores que tenho lido por aí.
Foi o aceitar as tuas eternidades como minhas veleidades que fez com que desencarnasse das etéreas vontades que me afrontam de vez em quando – foi bom querer ser a tua rotina quando a minha rotina era a chaga que me electrocutava os sonhos.
Foste, enquanto foste aqui comigo, uma inspiração quieta, serena, de quem há muito queria respirar noutro corpo.
Não mais que isso.
Era bonita a música que baptizamos, especial a lua que alugamos, infinita a história que contamos um ao outro, nas noites de Inverno tardio, quando me vinhas buscar a casa.
Era linda, muito linda, a simplicidade das personagens, a menina dos envelopes, o teu ombro com o teu violino, a hipnose quase ridícula que ele provocava em mim quando tinhas as mãos a fazer sons e os olhos fechados a ouvi-los.
Era perfeito o ridículo daquele fascínio, quando “ridículos são os que nunca escreveram cartas de amor”, mais ridículos serão os que não lêem o amor que lhes escrevem.
E foi delicioso ver-te nos instantes em que me lias.
Mas nada é tão importante assim.
Procurei-te tantas vezes em mim, para ver se tinhas sobrado no que eu criei.
Plantei-te na alma, com os pedacinhos que não conseguiste levar.
Tentei falar contigo, telefonei-te para te perguntar pelo tempo, por músicas emprestadas, outras devolvidas.
Sufoquei qualquer hipótese de não parecer que te precisava sereno, como a inspiração que me adaptou, a que me adaptei.
Passam-se as águas por baixo dos pés, os ventos por entre os braços e continuo estática, a borbulhar paixões de mim para mim, sobre criaturas extraordinárias que sabem transformar as coisas simples em simples coisas de sonhar.
Mas vou-te ser sincera – nada é tão importante assim.
Não foste capaz de me desembrulhar da pele de linho, mas fizeste da minha pele de carne a mais dolorosa. Para viver sem o conforto de fazer minha a tua sorte tive de fazer figas com os meus dedos e avançar para dentro de mim.
Cheguei perto de me amar.
Muito perto.
E fugi a tempo. Porque amar o que não se terá nunca é lição do passado onde te arquivei.
Porque nada é tão importante assim…porque descobri de uma vez que nunca amei a tua força, nunca invejei a tua garra – saboreei a tua glória porque ela me pareceu bem mais simples que a minha luta.
Porque foste o que pudeste, porque és o que quiseres sem atropelos de maior.
Porque te ofereceram as sortes todas e tu brilhaste maravilhoso, enquanto eu fiquei maravilhada.
Porque tens o requinte de decidir o que faz de ti mais especial, não porque tenhas de gritar como eu grito por tudo o que decido que me faz mais real.
Porque eu sou guerreira e tu és vitorioso, não porque tenhas sido alguma vez mais merecedor do que eu.
E vou-te ser sincera, na batalha dos amantes não houve mortes anunciadas, só a perda duma aliança que seria perfeita – perdeste tu, já que eu parti nesse duelo sem previsões dum final.
31.10.05
*Mó
Já não nos falamos faz tempo, e o que aqui disser não vai ser mais uma vontade de contar a nossa história à minha maneira.
É vincada a certeza de que não te tenho, mais vincada é agora a coerência de que sou o que nunca terei – porque, como tu, não sou de ninguém, e esse ninguém inclui-me na primeira pessoa.
Vou-te dizer que foi importante a primeira vez que te vi, e que não me lembro bem, que foi importante não ter notado nessa altura que estavas numa encubação silenciosa antes de me sanguessugares as coisas de encantar.
Foi importante seres uma surpresa, que eu só soube quando me disseste que te encontrei.
Foi, a certa altura, vantajoso saber que existias, mas só até cercares a minha paz com a tua presença anunciada - que eu anunciei.
Foi bom ouvir-te cantarolar velhas insígnias dum enamoramento que se sabe através de tantos outros séculos de amores que tenho lido por aí.
Foi o aceitar as tuas eternidades como minhas veleidades que fez com que desencarnasse das etéreas vontades que me afrontam de vez em quando – foi bom querer ser a tua rotina quando a minha rotina era a chaga que me electrocutava os sonhos.
Foste, enquanto foste aqui comigo, uma inspiração quieta, serena, de quem há muito queria respirar noutro corpo.
Não mais que isso.
Era bonita a música que baptizamos, especial a lua que alugamos, infinita a história que contamos um ao outro, nas noites de Inverno tardio, quando me vinhas buscar a casa.
Era linda, muito linda, a simplicidade das personagens, a menina dos envelopes, o teu ombro com o teu violino, a hipnose quase ridícula que ele provocava em mim quando tinhas as mãos a fazer sons e os olhos fechados a ouvi-los.
Era perfeito o ridículo daquele fascínio, quando “ridículos são os que nunca escreveram cartas de amor”, mais ridículos serão os que não lêem o amor que lhes escrevem.
E foi delicioso ver-te nos instantes em que me lias.
Mas nada é tão importante assim.
Procurei-te tantas vezes em mim, para ver se tinhas sobrado no que eu criei.
Plantei-te na alma, com os pedacinhos que não conseguiste levar.
Tentei falar contigo, telefonei-te para te perguntar pelo tempo, por músicas emprestadas, outras devolvidas.
Sufoquei qualquer hipótese de não parecer que te precisava sereno, como a inspiração que me adaptou, a que me adaptei.
Passam-se as águas por baixo dos pés, os ventos por entre os braços e continuo estática, a borbulhar paixões de mim para mim, sobre criaturas extraordinárias que sabem transformar as coisas simples em simples coisas de sonhar.
Mas vou-te ser sincera – nada é tão importante assim.
Não foste capaz de me desembrulhar da pele de linho, mas fizeste da minha pele de carne a mais dolorosa. Para viver sem o conforto de fazer minha a tua sorte tive de fazer figas com os meus dedos e avançar para dentro de mim.
Cheguei perto de me amar.
Muito perto.
E fugi a tempo. Porque amar o que não se terá nunca é lição do passado onde te arquivei.
Porque nada é tão importante assim…porque descobri de uma vez que nunca amei a tua força, nunca invejei a tua garra – saboreei a tua glória porque ela me pareceu bem mais simples que a minha luta.
Porque foste o que pudeste, porque és o que quiseres sem atropelos de maior.
Porque te ofereceram as sortes todas e tu brilhaste maravilhoso, enquanto eu fiquei maravilhada.
Porque tens o requinte de decidir o que faz de ti mais especial, não porque tenhas de gritar como eu grito por tudo o que decido que me faz mais real.
Porque eu sou guerreira e tu és vitorioso, não porque tenhas sido alguma vez mais merecedor do que eu.
E vou-te ser sincera, na batalha dos amantes não houve mortes anunciadas, só a perda duma aliança que seria perfeita – perdeste tu, já que eu parti nesse duelo sem previsões dum final.
31.10.05
*Mó
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