domingo, junho 05, 2005

o amor é para os parvos

Costumavas dizer:

-Quando penso em ti, vejo-te com a cabeça pousada nos meus joelhos, a olhar para mim com os olhos grandes. Ás vezes tens os olhos fechados e estás a dormir, mas o que interessa é que é assim que eu penso em ti: com a cabeça pousada nos meus joelhos, quieto, enquanto passo a mão, devagar, pela escova mole dos teus cabelos.

(...)


É sobretudo agora, que já aqui não estás, que gosto de imaginar-me tal qual tu então me vias
-Com a cabeça pousada nos meus joelhos, quieto, enquanto passo a mão, devagar, pela escova mole dos teus cabelos.

Mas não posso já aninhar-me no teu colo e a verdade é que mesmo tu, tenho a certeza, não me recordas já assim. Só se fosses parva e preferisses enganar-te, preserverando em não querer entender quem eu sou.

(...)
O amor é para os parvos, eu sei, e a vida sem motivos é para os pobres de espírito; para os que não têm coragem, nem força, nem ânimo para morrer. (...)Pareço um mau actor de um mau filme, eu sei. Um desses com poucos diálogos e quase nenhuma acção, em que as pessoas conversam com as cadeiras e com as paredes com palavras que já ninguém usa, com frases que ninguém diz. É um bom motivo para que não voltes, eu sei(...)

Mas somos dois corpos ainda. Dois corpos a que falta uma meia parte, a tua presença, ainda que as vezes, à noite, quando o ruído da cidade cessa e não se escuta mais do que este silêncio cheio de pequenos sons, eu possa pressentir os teus passos a caminhar pela sala, espiando-me enquanto escrevo, calado, sem nada dizer.
É então que me ergo e apago a luz e vou aninhar-me no sofá que está peto da janela. Poiso a cabeça e fico
-Quieto
como um gato, sentindo a impossibilidade dos teus dedos massajando, devagar, a escova mole dos meus cabelos.


(...)

Manuel Jorge Marmelo - "O Amor é Para os Parvos"

5 comentários:

Patrícia Mota disse...

Percebo agora porque me chamam, em brincadeiras parvas de miudos parvos, de parva.

Parva, eu me confesso, totalmente parva.

aquele a quem chamam Jonas disse...

diz ao Manuel Jorge Marmelo que "perseverando" nąo esta' mal escripto

beijinhos ortogrąphicos
do Jonas

aquele a quem chamam Jonas disse...

sou eu outra vez, Mó

vai ler isto para teres uma ideia sobre como vai a minha terra:

http://morrecabra.blogspot.com/2005/06/simbolismo.html


aahhh saudade...

Anónimo disse...

Olá salamandra que é uma gaivota e que em tempos foi sereia !!
Adorei a tua visita... tanto mais que da segunda vez que o Pescador nasceu fê-lo pelas mãos de uma sereia, e junto do sua barca voam e voa uma gaivota muito especial!!
Do pouco que vi do teu céu que outrora foi mar... é azul como deveria ser, calmo .. gostei muito !!
"Se o amor é para parvos... então é sou o maior parvo que existe no mundo..."
Bj doce..., porque tambem só o sei dar assim ou adoçicado ;-) !!
Pescador

aquele a quem chamam Jonas disse...

NEGRA SOMBRA



cando penso que te fuches
negra sombra que me asombras
ó pé dos meus cabezales
tornas facéndome mofa

cando maxino que es ida
no mesmo sol te me amostras
i es a estrela que brila
i es o vento que zoa

si cantan, es ti que cantas
si choran, es ti que choras
i es o marmurio do río
i es a noite i es a aurora.

en todo estás e ti es todo
pra min i en min mesma moras
nin me abandonarás nunca
sombra que sempre me asombras



Rosalía de Castro
FOLLAS NOVAS
1880