Cresci a olhar para os espelhos dos olhos dos outros.
Diziam-me que não me viam quando lhes perguntava onde é que eu cabia.
Diziam-me tão pouco além disso.
Fechava-me no meu quarto, com a porta entre-aberta - uma frincha com espaço para dois dedos da mão direita da minha mãe, e sentava-me no chão a fazer de conta que as bonecas todas tinham vozes e que ás vezes até deixavam de ser as minhas melhores amigas, para no dia seguinte fazermos as pazes e eu ter mais um bom motivo para voltar ao meu nicho no meio do chão.
Tinha a alcatifa empoeirada, e adormecia muitas vezes entre uma historia e outra. Deixava as personagens fazerem as escolhas delas, mesmo quando não cambaleava com as pestanas pesadas, fazia de conta que adormecia.
Depois, quando acordava, achava sempre que tinha deixado tudo noutra posição, que eles todos tinham vivido durante a minha ausência silenciosa.
Mesmo quando me fechava no quarto, fugia dali.
Nunca troquei uma boneca, um berlinde, e até os autocolantes das cadernetas me faziam tremelicar uma lágrima quando despareciam.
Nunca ganhei aqueles concursos que faziam as minhas colegas- não fui a menina mais gira, nem a mais simpática, nem aquela que tem o carro mais bonito, o cabelo mais macio.
Nunca tive os olhos azuis, nem as mãos quentes.
Não sei jogar futebol, não conseguia trepar as arvores e quando saltava à corda, tropeçava.
Não trocavam bonecas comigo.
Nem berlindes.
E eu dizia que não queria, que não precisava.
Chamaste-me pelo nome que inventaste para mim. Inventaste que eu inventava os nomes das coisas. Eu só te disse que te inventei a ti.
Só a ti. Como às bonecas que eu nunca troquei.
(colei um espelho gigante na porta do quarto. já não a deixo entreaberta.)
Don't stop moving, you must keep on going
don't you stop believing, you should go on dreaming
Don't stop moving, you must keep on going
don't you stop believing,
'cause its people like you that make the world go...
(...)
If you ever need me, just remember
and i'll always be there
If you ever miss me, don't you know
...don't you know...
...we will meet again
...we will meet again
(Coldfinger - cover sleeve)
30.03.05
*Mó
quarta-feira, março 30, 2005
sábado, março 26, 2005
esperas...
9 meses para nascer... Começa tudo assim, é igual para todos. Vou acreditar nisso e não me vou por aqui com questões de índole científica e/ou ético-filosóficas. O fenótipo começa aí, durante 9 meses de delineação do genótipo, e depois sai a conta direitinha - tu. Esperam que não te ponhas com manias, que chores assim que estiveres cá fora, afinal, já estiveste tempo de mais calado, dizem eles.
Fazes as coisas bem feitinhas mas, não contentes, perguntam se vais demorar muito a abrir os olhos. Caramba! Acabaste de gritar e estás cansadíssima! Mas não querem saber...
Depois vem o primeiro xixi que nunca mais chega, o primeiro soluço, o primeiro arroto, o espirro, o bocejo, o fechar da mão, o mexer do pé, o tossir, soluçar, dar pontapé, puxar os cabelos...esperam cada reacção, ou por outra, cada acção, porque tu estás realmente nas tintas para saber se te pedem para sorrir, tens uma vida inteira para o fazer.
Passa, tudo passa.
Remelas nos olhos todas as manhãs, aquelas cócegas no nariz, os espirros na primavera, os arrepios no inverno...um...outro, passam todos. Esperas acordar, esperas que o despertador toque segunda vez, porque só depois disso é que te levantas, fazes sempre as coisas por faseamento...duas esperas pequenas rendem mais o tempo, senão deixavas que ele tocasse sempre na hora em que toca pela segunda vez...todos os dias.
Esperas que a água saia quente do chuveiro, e despes-te. Esperas que acabe a água quente, e sais. Vestes-te. Esperas que as torradas fiquem prontas, que o leite fique quente. Esperas acabar de comer para lavar os dentes, já com água fria. Esperas acabar de te vestir, pões as lentes de contacto, e só depois é que te olhas ao espelho.
Esperas não ter uma má surpresa quando o fizeres.
Esperas que pare de chover, não podes molhar as botas novas, esperaste pelo natal para as comprares. Sais com toda a pressa, como se estivesses pronta há imenso tempo, e vais até á paragem. Esperas o autocarro. Chega. Olhas e não é o que te leva onde queres ir. Esperas o próximo, e o outro. Volta a chover, molhas as botas.
Chega. Esperas ter um lugar para te sentares, mas sabes que sempre que vais atrasada acabas por ficar entalada na porta. O motorista abre a porta, vais á carteira e não tens senha. Deixaste-a em cima da mesa ontem, no meio das tuas coisas, enquanto esperavas que o chá arrefecesse, antes de ires dormir.
Tiras o dinheiro, esperas ter que chegue, senão sabes que tens de sair e fazer o caminho todo para trás, esperar mais meia hora pelo proximo autocarro.
Não arranjas lugar, já era de prever.
Primeiro sinal vermelho, segundo. Esperas.
Um acidente ao fundo da rua, e mais um compasso em paragem.
Pensas em tudo o que vais fazer hoje. As vezes que vais dizer "bom dia", os sorrisos que vais receber em troca, as desilusões que já não te surpreendem. Pensas em tudo o que esperas poder esperar. Fazes contas de cabeça, quantas vezes vais esperar qualquer coisa até o dia acabar.
E só esperas que ele não acabe.
Olhas em volta, não tinhas visto ninguém desde que entraste.
Reparas em todos os lugares onde te lembras um dia ter esperado por alguém,num autocarro semelhante, ou mesmo naquele:
Uma grávida, uns 8 meses de gestação, provavelmente. Ela também te olha, e diz-te muito mais do que o que podias esperar.
Um velhinho, com uns 90 anos, olha o chão enquanto chora. Tem uma gravata preta, uma bengala na mão direita, uma flor seca na esquerda.
Uma criança, no colo da mãe. Espirra muito, e a mãe faz-lhe cócegas para a ver soluçar com gargalhadas.
E ele.
Nunca o tinhas visto, nem sabes bem se o que vês existe, porque sempre esperaste que ele aparecesse.
Esqueçes tudo o que ias fazer hoje. Querias que o tempo parasse ali, que a criança não parasse de soluçar, que o olhar daquela grávida congelasse, que a lágrima do velhinho não caísse sem antes chegares para a poderes guardar no teu bolso.
Que ele também estivesse ali, desde sempre á tua espera.
Esperas que tudo fique assim, perfeito. Numa manhã atrasada, com as botas molhadas, de pé, no autocarro. Um acidente lá fora, muita chuva, muita mesmo.
Acordaste. Com remelas nos olhos, cócegas no nariz.
"Quando tocar segunda vez, eu levanto-me..."
26.03.05
*Mó
quinta-feira, março 24, 2005
cala a minha boca...
"toda a gente sabe que a arte é uma forma de magia. O que ninguém sabe é o que é a magia. Torna presente o que está ausente, sem que se saiba como. Acontecem coisas sem que se compreenda por que acontecem e, precisamente, o que menos interessa é saber ou compreender. Fascina e arrepia. Eu andei a brincar com coisas que não devia. Percebi tarde que as consequências do que fazia fugiam por completo ao meu controlo, que a partir de certa altura, bem cedo, não era eu quem jogava, era eu o jogado."
sábado, março 19, 2005
I want you
Oh my baby baby I love you more than I can tell
I don't think I can live without you
And I know that I never will
Oh my baby baby I want you so it scares me to death
I can't say anymore than "I love you"
Everything else is a waste of breath
I want you
You've had your fun you don't get well no more
I want you
Your fingernails go dragging down the wall
Be careful darling you might fall
I want you
I woke up and one of us was crying
I want you
You said "Young man I do believe you're dying"
I want you
If you need a second opinion as you seem to do these days
I want you
You can look in my eyes and you can count the ways
I want you
Did you mean to tell me but seem to forget
I want you
Since when were you so generous and inarticulate
I want you
It's the stupid details that my heart is breaking for
It's the way your shoulders shake and what they're shaking for
I want you
It's knowing that he knows you now after only guessing
It's the thought of him undressing you or you undressing
I want you
He tossed some tatty compliment your way
I want you
And you were fool enough to love it when he said
"I want you"
I want you
The truth can't hurt you it's just like the dark
It scares you witless
But in time you see things clear and stark
I want you
Go on and hurt me then we'll let it drop
I want you
I'm afraid I won't know where to stop
I want you
I'm not ashamed to say I cried for you
I want you
I want to know the things you did that we do too
I want you
I want to hear he pleases you more than I do
I want you
I might as well be useless for all it means to you
I want you
Did you call his name out as he held you down
I want you
Oh no my darling not with that clown
I want you
I want you
You've had your fun you don't get well no more
I want you
No-one who wants you could want you more
I want you
I want you
I want you
Every night when I go off to bed and when I wake up
I want you
I'm going to say it once again 'til I instill it
I know I'm going to feel this way until you kill it
I want you
I want you
I want you
Elvis Costello - I want you.
I don't think I can live without you
And I know that I never will
Oh my baby baby I want you so it scares me to death
I can't say anymore than "I love you"
Everything else is a waste of breath
I want you
You've had your fun you don't get well no more
I want you
Your fingernails go dragging down the wall
Be careful darling you might fall
I want you
I woke up and one of us was crying
I want you
You said "Young man I do believe you're dying"
I want you
If you need a second opinion as you seem to do these days
I want you
You can look in my eyes and you can count the ways
I want you
Did you mean to tell me but seem to forget
I want you
Since when were you so generous and inarticulate
I want you
It's the stupid details that my heart is breaking for
It's the way your shoulders shake and what they're shaking for
I want you
It's knowing that he knows you now after only guessing
It's the thought of him undressing you or you undressing
I want you
He tossed some tatty compliment your way
I want you
And you were fool enough to love it when he said
"I want you"
I want you
The truth can't hurt you it's just like the dark
It scares you witless
But in time you see things clear and stark
I want you
Go on and hurt me then we'll let it drop
I want you
I'm afraid I won't know where to stop
I want you
I'm not ashamed to say I cried for you
I want you
I want to know the things you did that we do too
I want you
I want to hear he pleases you more than I do
I want you
I might as well be useless for all it means to you
I want you
Did you call his name out as he held you down
I want you
Oh no my darling not with that clown
I want you
I want you
You've had your fun you don't get well no more
I want you
No-one who wants you could want you more
I want you
I want you
I want you
Every night when I go off to bed and when I wake up
I want you
I'm going to say it once again 'til I instill it
I know I'm going to feel this way until you kill it
I want you
I want you
I want you
Elvis Costello - I want you.
Não me ouves mais. Se ouvisses, estavas aqui comigo, a suplicar que eu calasse os meus gritos absurdos de te querer tanto.
Quase nem me aguento. Dou por mim completamente insuportável a chorar por dentro, pisada e amarrotda como um papel molhado com gotas de sal e água que deixaram esquecido a secar ao sol numa noite de primavera como esta.
Esqueceste-te de mim.
Mas tu prometeste que ficavas! Prometeste e não cumpriste e agora olho para ti em lado nenhum e vejo-te nos cantos todos onde invento que te vi um dia.
Tu não me ouves mais. Fechaste a porta e deixaste-me do lado de fora, não reparaste que o meu coração entra sempre antes de eu esperar que abram a persiana, agora não me ouves mais! E eu não sei o que fazer para te dizer que tenho o coração dentro da masmorra onde fechaste os meus sonhos, e a chave ficou contigo.
De tanto queimar as mãos na tua campainha chego a sentir que és tu quem me aquece outra vez os dedos, um por um. De não mais sentir as pernas, sentada a porta dessa fortaleza, penso, com as forças que ainda tenho para o fazer, que és tu que, enrolado com as tuas pernas nas minhas, as faz tremer desta forma. O silêncio já me é tao familiar como o são as palavras que nem deste tempo de dizeres, que não me deixaste ouvir e que não soube como te dizer que mas escreveses.
Eu lia-te, também oiço os riscos do teu caderno, até agora.
De tanto ficar deitada no teu passeio, a espera que as estrelas me cantem o som do cristal e das ondas a bater nas rochas que um dia me deixaste ouvir, desenho violinos nas nuvens, peixes dourados no azul fosco quase nublado, e juro-te que oiço patinhos a minha volta. Muitos patinhos, muitos. Muito lindos, todos.
Os dias cheiram aos teus cabelos e o frio que faz de vez em quando, arranha-me a pele e abre frestas como fazias com a barba mal feita. Como quando te vias nos meus olhos, espelhados de ti, saidos de dentro do coração que trancaste atras dessa porta fechada a cadeado.
Não tenho a chave. Nem tenho coração. Nem tenho mais para onde olhar daqui. Quando em cima de mim mora o céu que nos cobriu os passos e os abraços, quando em todo o lado vejo rios e oiço ondas e sinto as pernas a tremer, cheiro os teus cabelos e leio as palavras que nao me escreveste, guardo as musicas todas na garganta e canto para dentro, grito para fora que essa tua masmorra de porta fechada e sem janelas é a coisa mais sincera de todas.
Mesmo que a porta se dissolva nas pedras das paredes, e abras tuneis para fugir, ela fica aqui, a frente dos meus medos, com os meus sonhos la dentro, ao lado do coraçao. E não tenho nada mais sincero que isso.
Não me ouves mais. Vou esperar que essas paredes desabem, e que ainda saiba como eram os sonhos todos no dia em que mos fechaste dentro do sitio onde decidiste morar.
Quase nem me aguento. Dou por mim completamente insuportável a chorar por dentro, pisada e amarrotda como um papel molhado com gotas de sal e água que deixaram esquecido a secar ao sol numa noite de primavera como esta.
Esqueceste-te de mim.
Mas tu prometeste que ficavas! Prometeste e não cumpriste e agora olho para ti em lado nenhum e vejo-te nos cantos todos onde invento que te vi um dia.
Tu não me ouves mais. Fechaste a porta e deixaste-me do lado de fora, não reparaste que o meu coração entra sempre antes de eu esperar que abram a persiana, agora não me ouves mais! E eu não sei o que fazer para te dizer que tenho o coração dentro da masmorra onde fechaste os meus sonhos, e a chave ficou contigo.
De tanto queimar as mãos na tua campainha chego a sentir que és tu quem me aquece outra vez os dedos, um por um. De não mais sentir as pernas, sentada a porta dessa fortaleza, penso, com as forças que ainda tenho para o fazer, que és tu que, enrolado com as tuas pernas nas minhas, as faz tremer desta forma. O silêncio já me é tao familiar como o são as palavras que nem deste tempo de dizeres, que não me deixaste ouvir e que não soube como te dizer que mas escreveses.
Eu lia-te, também oiço os riscos do teu caderno, até agora.
De tanto ficar deitada no teu passeio, a espera que as estrelas me cantem o som do cristal e das ondas a bater nas rochas que um dia me deixaste ouvir, desenho violinos nas nuvens, peixes dourados no azul fosco quase nublado, e juro-te que oiço patinhos a minha volta. Muitos patinhos, muitos. Muito lindos, todos.
Os dias cheiram aos teus cabelos e o frio que faz de vez em quando, arranha-me a pele e abre frestas como fazias com a barba mal feita. Como quando te vias nos meus olhos, espelhados de ti, saidos de dentro do coração que trancaste atras dessa porta fechada a cadeado.
Não tenho a chave. Nem tenho coração. Nem tenho mais para onde olhar daqui. Quando em cima de mim mora o céu que nos cobriu os passos e os abraços, quando em todo o lado vejo rios e oiço ondas e sinto as pernas a tremer, cheiro os teus cabelos e leio as palavras que nao me escreveste, guardo as musicas todas na garganta e canto para dentro, grito para fora que essa tua masmorra de porta fechada e sem janelas é a coisa mais sincera de todas.
Mesmo que a porta se dissolva nas pedras das paredes, e abras tuneis para fugir, ela fica aqui, a frente dos meus medos, com os meus sonhos la dentro, ao lado do coraçao. E não tenho nada mais sincero que isso.
Não me ouves mais. Vou esperar que essas paredes desabem, e que ainda saiba como eram os sonhos todos no dia em que mos fechaste dentro do sitio onde decidiste morar.
sexta-feira, março 11, 2005
o assobio da cobra
Fruto da imaginação (Quem és Tu?)
Eras tu
Na razão das aves e no sol das manhãs
Eras tu
No correr das águas e na cor das romãs
Como foi
Que perdi o pé no coração
Tu és tudo o que me é dado criar
És um fruto da imaginação
Eras tu
Em todas as praças, em todas as cidades
Eras tu
Na paz do silêncio depois das tempestades
Quem és tu
Que andas com a lua na algibeira à espera que eu vá
Quem és tu
De perna traçada no meu sonho como se fosses de lá
Como foi
Que perdi o pé no coração
Tu és tudo o que me é dado criar
És um fruto da imaginação
João Monge
Eras tu
Na razão das aves e no sol das manhãs
Eras tu
No correr das águas e na cor das romãs
Como foi
Que perdi o pé no coração
Tu és tudo o que me é dado criar
És um fruto da imaginação
Eras tu
Em todas as praças, em todas as cidades
Eras tu
Na paz do silêncio depois das tempestades
Quem és tu
Que andas com a lua na algibeira à espera que eu vá
Quem és tu
De perna traçada no meu sonho como se fosses de lá
Como foi
Que perdi o pé no coração
Tu és tudo o que me é dado criar
És um fruto da imaginação
João Monge
terça-feira, março 08, 2005
sábado, março 05, 2005
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