sexta-feira, fevereiro 27, 2009

Lua nova

O relógio tocava com os ponteiros no meio. Era meia noite, e em todas as noites em que a lua aparecesse eles encontravam-se.

Não marcavam hora, deixavam que o tempo os levasse, não marcavam sitio, deixavam que o vento lhes dissesse de onde vinha essa vontade de se tocarem.

Eram novos, muito novos, duma juventude que amedronta a idade e a razão, e todos os dias, à meia noite ficavam gigantes. Ele transformava-se num herói de capa e espada, daqueles que já nem se contam mais nos contos de encantar, e ela, numa princesa enclausurada, que ganhava lanço e aprendia a voar. O feitiço apanhava-os sem que pedissem, e fazia deles um mundo paralelo onde não cabia mais nada, mais lugares, ou mais horas. Eram só eles, naquele tempo e naquele espaço, irrepetiveis, inesqueciveis, enamorados.

Prometiam o infinito com um olhar, enquanto se deliciavam com o canto dos silêncios que deixavam acontecer.
Encontravam-se, mas não se encontravam so no tempo, nem no espaço, encontravam-se num passado que nunca tiveram, como se sempre tivessem estado ali, como se não fizesse sentido outras historias antes daquela, outros contos antes daquele canto.

Encontravam-se na alma, naquelas lamechices que nem acreditavam, falavam com o cheiro, tocavam-se com o desejo, sem precisarem de entrelaçar a pele.

Amavam-se toda a noite, corriam pela rua vazia, despidos de sentido, corriam sem destino, sem motivo, sem razão.
Corriam com os olhos vidrados, esfomeados de luz e paz. Corriam enfurecidos, deseperados, queriam passar o limite que separa o infinito do futuro.

Eles queriam ter futuro, ter um amanhecer, ter um sol, só um sol.
Queriam ter um castelo, e uma nuvem onde dormir.
Queriam um rio, e um planalto.
Queriam tocar-se.

Mas ao primeiro raio de sol não se conseguiam ver.
Ele perdia a capa e a espada, perdia o cavalo e voltava a pé, com chumbo no pé, sem poder correr.
Ela descontrolava as asas, que a levavam para a janela da torre de onde não sabia sair.

Na torre ela tinha rios, descalço ele caminhava planaltos, ela tinha um castelo, ele de dia via as nuvens. Os dois tinham o sol.

Mas perdiam o mar. E perdiam o infinito. Perdiam o olhar que vem de dentro, e o cheiro que fala. Perdiam a voz dos que se falam sem palavras.

Perdiam-se um do outro.

E um dia, a lua não apareceu.
Ela não voou, ele não cavalgou. Adormeceram os dois, mas não sonharam.

Porque os sonhos são o lugar da liberdade, e a paixão é o tempo em que ela aconteçe.


*Mó
27.02.09



Porque a dependência é uma besta que dá cabo do desejo, e a liberdade é uma maluca que sabe quanto vale um beijo... Enquanto houver estrada p'ra andar, a gente vai continuar.

Jorge Palma

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