sexta-feira, agosto 18, 2006

Existe em algum sítio deste mundo (ou de outro mundo como este mas em que as pessoas têm alma a sério) um sol, um mar, um prado e um caos.

Nesse sítio existem 3 torres muito altas e dentro de cada torre existe uma princesa que repousa em leitos de jasmim e pétalas de rosa.

Cada princesa, antes de dormir, penteia os cabelos e desenha entre os dedos uma trança encantada.
Pintam os lábios com manteiga de amendoim.

A primeira perfuma-se de margaridas. A segunda tem travo a mel. A da terceira torre espalha pelos poros doce de leite com abacate.

Perfumam-se atrás das orelhas e nos pulsos.

Um príncipe viajante, todas as noites, pouco antes da alvorada, ergue na sombra um espadachim de prata e corre a rumo incerto.
Circunda as 3 torres, sente os aromas e guarda as garras no coração.

Volta ao porto de partida e regressa na noite seguinte.

Todas as noites volta e todas as noites parte.
Nunca lhe viram o rosto e dizem que não sabe por onde vai.

Dentro das 3 torres donzelas inventam dormir. Sonham acordadas desde o primeiro galope que ouvem desse luar que desconhecem ainda.

Ele sabe que não pode decidir pelo tamanho da torre, nem pelo aroma da pele, nem pela cor dos cabelos que cada uma lançou pela janela ainda raiava o sol, na esperança de o arrebatar antes da aurora.
Não pode escolher a torre pela vista que julga ter, nem pelo número de ameias partidas.

Ele sabe o que quer.

Para onde vai.
Sabe que não vai passar os dias de torre em torre, porque o corpo tem cansaços e a alma encontros eternos.

Ele sabe que encontrou.

Um dia, ainda não era noite cerrada, passeou-se desmascarado.
Vestiu-se de trapos e sentou-se num cavalo.

Não olhou mais nada. Não quis saber se lá em cima vislumbraria um prado encantado, um mar infinito ou um caos indefinido. Não pensou. Não foi preciso pensar.

Ela tinha a trança lançada, como se um anjo lhe tivesse contado que o ouviu a ouvir o coração.
Ela tinha olhos de ameixa e pó de ouro na trança.
Ele subiu e ficou sarapintado.

A torre não tinha tecto.
As paredes tinham frinchas entre as alvenarias.

Viu o céu todas as noites. O mar infinito todas as manhãs. O caos todas as vezes que o indefinido existiu.
Viu o sol pôr-se e a aurora erguer-se.

Calejou-se dum aroma só, cravado de ouro no peito, no lugar do coração.
E não voltou a descer.

Quando se chega tão alto não se cortam as asas.




"Com um brilhozinho nos olhos e saia dourada escancaraste a porta do bar, trazias o cabelo aos ombros passeando de cá para lá como as ondas do mar, conheço tão bem esses olhos..."
Sérgio Godinho

imagem em: http://oblogdalibelua2.blogs.sapo.pt/arquivo/cavaleiro-sedutor.jpg

2 comentários:

joshua disse...

Tive um sabor especial em encontrar-te. A tua poesia é encantadora. Somos vizinhos, Salamandra.

De uma vizinhança física e espiritual e andamos ambos à procura de quem tenha alma a sério.

Beijos

SerendipityMan disse...
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