segunda-feira, dezembro 26, 2005
São estes momentos que fazem valer qualquer noite, de qualquer ceia.
Não interessa o que existe na mesa ou por baixo dum pinheiro qualquer.
Seria eu velho das barbas se pudesse para que fosse Natal todos os dias dentro de toda a gente.
Amo-te princesinha** a prima mais linda do mundo é minha!:)
e "façam favor de ser felizes", hoje acabo mesmo em cliché porque já me irrita o fatalismo da data.
25.12.05
*Mó
segunda-feira, dezembro 19, 2005
Venho dentro do carro. Ao volante.
Sozinha. Num sítio qualquer do caminho de sempre.
Está escuro e são horas serenas de fim de tarde tardia.
Já não chove. Ainda faz frio.
Torço o retrovisor e fixo-me de frente – pálida, cerrada, com o negro dos olhos escondido pelo olhar.
Concentro-me em mim.
Revejo-me.
Brahms ouve-se por trás dos meus ritmos, com as partituras das minhas partes mais escuras.
Fecho a luz dos fonemas – concentro-me nas palavras que não digo, e canto. Desligo a música, atraso o ponteiro do relógio, abrando a estrada e volto atrás – sem olhar para trás.
Reajusto o retrovisor e foco os lábios – encerram uma pérola que não encontro, cravados nos segredos que não conto a ninguém, que nem eu quero descobrir.
Escorrego os pés, desvio o caminho. Ao volante, descentralizada do rumo, desencontrada.
Com a mão direita foco-me outra vez.
Os olhos no espelho outra vez e por trás de mim só a luz de dois pontos que me perseguem. São mais benevolentes, estes pontos que me fixam do que os que sigo quando olho em mim.
Inspiro com toda a salubridade rítmica que Brahms deixou, esvazio o corpo e encho os pulmões.
Grito até que se rasguem em estilhaços os vidros que me vejam aqui, e cuspo saudades de sal, de me ver em ti noutros vidros que tais.
Embebedo-me numa calma de morte, amantizo-me dum último desvio final e alcoolizada em sombras, desligo.
Chove agora.
Chove muito.
Por dentro, por fora.
Lembro-me de dois pontos luminosos atrás de mim, que eu quis que me apanhassem e se apagassem depois. E lembro-me dum espelho.
E do que ficou nele escrito sobre mim.
Eles que te contem que me viram.
E que cantei o último silêncio.
Que chorei por ti.
05.12.05
*Mó
Sozinha. Num sítio qualquer do caminho de sempre.
Está escuro e são horas serenas de fim de tarde tardia.
Já não chove. Ainda faz frio.
Torço o retrovisor e fixo-me de frente – pálida, cerrada, com o negro dos olhos escondido pelo olhar.
Concentro-me em mim.
Revejo-me.
Brahms ouve-se por trás dos meus ritmos, com as partituras das minhas partes mais escuras.
Fecho a luz dos fonemas – concentro-me nas palavras que não digo, e canto. Desligo a música, atraso o ponteiro do relógio, abrando a estrada e volto atrás – sem olhar para trás.
Reajusto o retrovisor e foco os lábios – encerram uma pérola que não encontro, cravados nos segredos que não conto a ninguém, que nem eu quero descobrir.
Escorrego os pés, desvio o caminho. Ao volante, descentralizada do rumo, desencontrada.
Com a mão direita foco-me outra vez.
Os olhos no espelho outra vez e por trás de mim só a luz de dois pontos que me perseguem. São mais benevolentes, estes pontos que me fixam do que os que sigo quando olho em mim.
Inspiro com toda a salubridade rítmica que Brahms deixou, esvazio o corpo e encho os pulmões.
Grito até que se rasguem em estilhaços os vidros que me vejam aqui, e cuspo saudades de sal, de me ver em ti noutros vidros que tais.
Embebedo-me numa calma de morte, amantizo-me dum último desvio final e alcoolizada em sombras, desligo.
Chove agora.
Chove muito.
Por dentro, por fora.
Lembro-me de dois pontos luminosos atrás de mim, que eu quis que me apanhassem e se apagassem depois. E lembro-me dum espelho.
E do que ficou nele escrito sobre mim.
Eles que te contem que me viram.
E que cantei o último silêncio.
Que chorei por ti.
05.12.05
*Mó
domingo, dezembro 11, 2005
é de amantes que se fala. e é dos que fazem silêncio que se faz mito.
"Durante todo o primeiro acto, Orfeu queixou-se com facilidade, algumas mulheres de túnica comentaram com graça o seu infortúnio e cantou-se o amor em pequenas árias.
A sala reagiu com um entusiasmo discreto.
Acaso se não notou que Orfeu introduzia na sua ária do segundo acto tremuras que lá não figuravam e pedia, com um ligeiro excesso de patético, ao senhor dos Infernos que se deixasse comover pelos seus prantos.
Certos gestos ritmados que lhe escaparam apareceram aos mais conhecedores como um efeito de estilização que aumentava ainda mais o valor da interpretação do cantor.
Foi necessário o dueto de Orfeu e Eurídice, no terceiro acto (era o momento em que Eurídice fugia ao seu amante), para que uma certa surpresa corresse pela sala. E, como se o cantor tivesse apenas esperado este movimento do público ou, mais certamente ainda, como se o rumor vindo da plateia tivesse confirmado o que ele sentia, foi esse o momento que ele escolheu para avançar para a boca da cena de uma maneira grotesca, braços e pernas afastados no seu trajo à antiga, para vir abater-se no meio dos redis do cenário, que nunca tinham deixado de ser anacrónicos, mas que, aos olhos dos espectadores, o foram pela primeira vez e de uma maneira terrível, pois ao mesmo tempo a orquestra calou-se, as pessoas da plateia levantaram-se e começaram lentamente a evacuar a sala, primeiro em silêncio, como se sai de uma igreja depois de acabada a missa ou de uma câmara mortuária depois de uma visita, as mulheres segurando as saias e saindo de cabeça baixa, os homens guiando as suas companheiras pelo cotovelo.
Pouco a pouco, porém, o movimento precipitou-se, o murmúrio tornou-se exclamação e a multidão afluiu às saídas comprimindo-se, para acabar por se empurrar e gritar.(...)"
Albert Camus - A Peste
A sala reagiu com um entusiasmo discreto.
Acaso se não notou que Orfeu introduzia na sua ária do segundo acto tremuras que lá não figuravam e pedia, com um ligeiro excesso de patético, ao senhor dos Infernos que se deixasse comover pelos seus prantos.
Certos gestos ritmados que lhe escaparam apareceram aos mais conhecedores como um efeito de estilização que aumentava ainda mais o valor da interpretação do cantor.
Foi necessário o dueto de Orfeu e Eurídice, no terceiro acto (era o momento em que Eurídice fugia ao seu amante), para que uma certa surpresa corresse pela sala. E, como se o cantor tivesse apenas esperado este movimento do público ou, mais certamente ainda, como se o rumor vindo da plateia tivesse confirmado o que ele sentia, foi esse o momento que ele escolheu para avançar para a boca da cena de uma maneira grotesca, braços e pernas afastados no seu trajo à antiga, para vir abater-se no meio dos redis do cenário, que nunca tinham deixado de ser anacrónicos, mas que, aos olhos dos espectadores, o foram pela primeira vez e de uma maneira terrível, pois ao mesmo tempo a orquestra calou-se, as pessoas da plateia levantaram-se e começaram lentamente a evacuar a sala, primeiro em silêncio, como se sai de uma igreja depois de acabada a missa ou de uma câmara mortuária depois de uma visita, as mulheres segurando as saias e saindo de cabeça baixa, os homens guiando as suas companheiras pelo cotovelo.
Pouco a pouco, porém, o movimento precipitou-se, o murmúrio tornou-se exclamação e a multidão afluiu às saídas comprimindo-se, para acabar por se empurrar e gritar.(...)"
Albert Camus - A Peste
Subscrever:
Mensagens (Atom)