sexta-feira, julho 22, 2005

Vi-te por lá. Onde os doidos fazem fitas e dizem que são heróis de banda-desenhada.
Rias muito, rias tanto que quando falavas gaguejavas. Na verdade, quando falavas não dizias nada - mas isso também era verdade quando te via por cá, no sítio onde os doidos brincam aos deuses.

Vinhas de braços abertos, peito apertado, e aquele gesto indefinido que agora decifro - fica mas não venhas.
Não me apertaste, não me levaste aos laguinhos e não contaste os nenúfares. Quiseste-me à espera, na margem dum rio de ouro, seco de sal dos choros que não saíram nunca de ti.
E eu fiquei.
Sentei-me agachada, acorrentada ao nevoeiro do brilho que desapareceu de ti. Idolatrei reflexos que não existiam, enfeitei-me sobre a água e esperei. Confessei a quem passava que o meu anjo era o meu amor, e esperei.
Ouvi que os anjos não vêm e não acreditei - disse sempre que era tolice não almejar um par de asas de verniz.
E esperei.
Cheguei a molhar as mãos.
Senti o rio frio, seco, doce. Pensei em correr à foz e ver onde acabava o curso dos sonhos, mas fiquei. Esperei.
Tu aparecias, de quando em vez, atrás do meu espelho - achava-te sempre à frente dos meus olhos. Esperei.

Vi-te por lá. Não sei quando, não sei como, não sei porquê. Era de noite e à noite a água salgada do rio quase doce fica negra. Vi-te por lá, no escuro quase cego dum naufrágio onde eu achei que sabia nadar. Vi-te na proa, com as velas erguidas, como os doidos que são heróis de banda desenhada.

Com os pés cansados, esperei.
Não desceste do pódio dos teus dias que eu um dia pintei com diamantes.
Vi-te alto demais. Fiquei pequena de tanto te pôr lá no alto.

Esperei demais - esperei sem saber quanto.
E tu não ficaste, nunca cá estiveste. Levaste-me solta para depois me atracares os pés molhados à outra margem do teu lugar.

Esperei muito. Vi demasiadas manhãs com demasiadas histórias. Adormeci demasiadas vezes durante os silêncios soturnos de noites vizinhas da tua escuridão.




Mas hoje o céu é turvo e a àgua cálida não turbilha muito. Leio-me entre as gotas de sal queimadas. No meu reflexo vejo a vela erguida da tua sonâmbula visita, e sei que não te vou achar mais à frente dos meus olhos.

As correntes esfarelaram-me os pés mas ainda consigo andar.
Lá, na terra dos doidos, sei que tenho à espera a escada que vai deixar os deuses descerem até mim.
Lá, não volto a rasgar os dias à espera - sonhar com o teu regresso é crucificar a tua partida.
Não espero mais, meu amor.


22.07.05
*Mó

2 comentários:

Patrícia Mota disse...

nao esperes nunca!!porque sempre que qualquer coisa, qualquer alma voltar, volta com o peso das coisas todas que a fizeram partir...
sempre que sentires que queres de volta, espera que ele venha como se fosse a primeira vez.

só assim é que não parte.
quando é sempre a primeira vez que chega.

é até já. todos os momentos.


Deixaste-me isto por lá, num dia qualquer. Hoje deixo-te com as tuas próprias palavras, porque elas já sabem tudo.
É só tomar como embalo a força do que se diz.
É só tomar como susto cada passo.

É só tomar a liberdade dos sonhos, e sonhar...

E sim... Os anjos vêm! E levam-nos a voar e, fazem-nos esquecer os dias todos das esperas inuteis.

Um beijo*

MagRocha disse...

Fazes bem afastares-te dessa barreira de gelo. Inquebrávél.Intransponivel.
Aperta a tua mão na minha MEU AMOR.

Quero ajudar-te.

Fita outro rosto.
Tenta procurar noutros olhos a ponte para a tua alma.
Continua a tua escalada e outros Deuses descerão até ti...

Um beijão da tua mãe que te ama muito