sábado, maio 14, 2005

Eu fico à baliza...

-Acorda! O teu pai foi buscar o almoço e volta já, veste-te e vai ajudar a tua irmã a por a mesa.
-Oh mãe...mas ainda é tão cedo!

(...)

Sempre que tenho de acordar peço que me acordem. Quando não quero pensar em mim num espectro de invulnerabilidade, deixo-me adormecer com os sons todos do rádio.

Não desperto. Não tenho vontade de o fazer.

A gravata já sabe fazer o nó na camisa e as casa dos botões já me endireitam os punhos antes de vestir o casaco.
O carro já sabe o caminho de volta.
Só o de volta, porque sabe sempre que não quero nunca voltar.

(...)
-Vá lá, deixa-te de coisas. Estamos lá em baixo à tua espera.
-'Tá bem, já vou...

(...)

Decidi que ia deixar tudo correr como quisesse. Decidi que não ia decidir mais nada.
Mas olhei nos olhos da tua mãe.
E ouvi a tua irmã a descer as escadas a correr, a espreitar atrás da cortina enquanto eu passava o portão de casa, ao fim da tarde de hoje.
Vi que a relva do jardim estava pantanosa e que a roseira tinha desmaiado.

(...)
-Mamã, vamos hoje a casa da avó?
-Não filho, a avó foi almoçar com a tia Luísa.
-E o papá, vai demorar?
-Não, ele vem já.

(...)

A tua janela fica mesmo por cima da porta. Escolhi esse quarto para ti porque sabia que gostavas de ver os carros a passar, não é? E, um dia, quando crescesses, era pela janela que ias espreitar a vizinha da frente, como eu as vezes fazia quando te ia deitar.
Entrei e a porta fechou-se atrás de mim. Porque eu não a fecho mais desde que decidi que não ia decidir voltar.

(...)

-Papá!Chegaste!
-Tem calma, filho, o teu pai não foje!

-Que tens nessa saca?Uma bola!
-Mas primeiro vamos almoçar, seu tolinho...

(...)

A tua janela está fechada.
Nem eu nem a tua mãe conseguimos arrumar os cromos que deixaste pelo chão do quarto.
A tua irmã diz que agora já sabe acordar sozinha, mas ainda só adormece quando eu a deito.
Agora já não espreito a vizinha da frente, filho. E tenho o carro parado à porta, mas não te vejo à espreita, por cima da porta.
Decidi que não ia mais voltar.
Desde que não te tenho a correr atrás da bola, depois do almoço, enquanto a tua mãe faz tranças à tua irmã.


(...)

-Ficas à baliza?
-Fico, mas não chutes com força!

(...)

Não volto mais. Fico à espera que voltes tu. Ou que me venhas buscar.

A tua mãe tem os cabelos da tua irmã para fazer tranças.
E eu tenho a tua bola nas mãos.

Eu fico à baliza.


13.05.05
*Mó

4 comentários:

Anónimo disse...

monica o teu sorriso faz as flores florirem, faz os passaros cantar ,faz os meus mos labios sorrirem... desculpa por aquela conversa mas eu estava estupido e nao queria dizer nunca mas sim ate ja. queria conviver mais ctg. ter-te a ajudar-me e poder.te ajudar- fazer-te sorrir e olhar em frente como deve de ser e eu estar ali orgulhoso por ver a minha linda a ter um futuro de encanto e poesia como tanto gostas. um conto de fadas onde tudo acaba bem com final feliz. perdoa-me pelas barbaridades que eu disse. beijos grandes para uma pessoa que magoei por acidente e ai cai no fundo.... desulpa-me peço-te de joelhos na calçada. beijos Ass: Abilio filipe

aquele a quem chamam Jonas disse...

'foge' e' com g
e o verso do Brel e' 'ne me quites pas' na segunda pessoa do imperativo

(sem querer ser besta)

beijinhos ortographicos
J

aquele a quem chamam Jonas disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
JFC disse...

eu gosta isso! também é gaivota!