Visto-me ainda dentro dos lençóis, num esquema acrobático que inventei para fugir do frio. Entra vento pela minha janela, e as cortinas brincam comigo, desafiam-me.
Não abro a janela, já disse que não abro...
O candeeiro aceso impede-me de perceber o tamanho dos meus olhos. Quero ver pouco, saber pouco. Durmo sempre pouco. Por mais horas que durma.
Sonho pouco.
Saio de casa. Dentro do carro as mesmas vozes na mesma rádio contam-me coisas sempre tão parecidas. Páro, acelero, abrando outra vez. Desmaio. Acordo. Desmaio. Quase não acordo.
E sobe o sol, e desce a lua, e anunciam chuva para o fim do dia.
O inverso do meu verso.
Vai custar despir para vestir o pijama arrefecido, vai custar deitar, vai custar dormir.
Vai custar olhar pela janela, o buraco da persiana agora em contra luz. Lá fora escuro, cá dentro luz a mais. Só o candeeiro não chega para ver o tamanho dos meus olhos.
Só o meu quarto não chega para sonhar.
De manhã.
Passeias os dedos pelos meus braços.
Está calor, e vejo-te sorrir com a ténue luz que entra pelos buraquinhos perfeitos da persiana.
Deliciosa penumbra que nos protege, que expulsa o mundo de nós. Tens a voz rouca de quem sonhou toda a noite, de quem chamou por mim enquanto dormia. Conheço o teu sussurro.
arrepio-me até à espinha. Tocas-me nos lábios cada vez que me olhas... Embrulhas-me dentro de ti e respiro fundo. Tão fundo.
Chutamos os lençóis, desfazemos os cobertores. tudo amontoado nos nossos pés, só a pele nos nossos corpos.
O dia começou.
O nosso dia começou.
Apertas-me com força. Sinto-me a encostar a testa no teu coração.
A doçura das horas faz-me lembrar que é mais um dia perto de ti. Adoro o som dos segundos, o canto da rua agitada lá fora. Dentro do ninho, começo a expulsar a preguiça. Abres a janela, cantas aquelas musicas que te lembras de manhã com aquela voz desafinada e aguda. Fazes-me rir.
(amo-te).
Despimo-nos juntos, vestimo-nos juntos. Saímos do quarto com a pressa de quem quer viver mais um dia. Como se fosse o primeiro. Como se fosse o último.
Corremos as escadas uma por uma, ris-te de mim quando tropeço o último degrau. Quando caio nos teus braços.
(amo-te).
Lá fora o dia vai breve. Cá dentro amanheceu agora.
Lavamos os dentes, chapinhamos o lavatório com sabão de leite e mel.
Agarro-te com tanta força, e encosto a cabeça no teu ombro. Os dois. E um espelho á nossa frente.
Paralisados no tempo fixamos o reflexo.
Os teus traços fundem-se nos meus, os teus recortes encaixam em mim. Somos um só.
(amo-te).
Sorrimos e não dizemos nada. Não precisamos de palavras.
Não queremos palavras.
(amo-te).
Saímos já mais devagar. Despedes-te com um até já. Eu digo-te até sempre.
(Já tenho saudades tuas, amor).
De dentro do carro vejo o sol mais alto, as nuvens sopraram a névoa, o vento soprou as nuvens. Eu soprei o vento.
Chamei-te toda a viagem.
Cantei-te toda a viajem com a minha voz aguda, desafinada e rouca.
Passam-se as horas, os pássaros adormecem e acordam. Voltam a adormecer.
Apanho boleia com a chuva do final da tarde. Dentro do carro o mesmo rádio, com as mesmas vozes...
Tudo tão doce...
Tudo tão nosso.
(Esta noite vou deixar a luz acesa, para o dia não acabar.
Até já meu amor. Até sempre.)
(amo-te).
*Mó
28.01.08
"What a difference a day made, twenty four little hours
brought the sun and the flowers where there use to be rain
My yesterday was blue dear
Today I'm a part of you dear
My lonely nights are through dear
Since you said you were mine
Oh, what a difference a day made
There's a rainbow before me
Skies above can't be stormy since that moment of bliss
That thrilling kiss
It's heaven when you find romance on your menu
What a difference a day made
And the difference is you, is you"