Hoje tinha de falar contigo.
Queria telefonar-te e dizer-te que sem ti não me sinto a mesma, não me reconheço mais.
Não suspiro antes de adormecer, não acordo a meio da noite contigo a falares, sonâmbulo, comigo a tentar entender-te.
Tentei entender-te, meu amor. Tentei entender-nos, perceber o que de nós era realmente nosso, o que era mais do que só teu ou só meu.
Tentei decifrar as dúvidas, questionar as certezas, para que fosse certo que era tua, que eras meu.
Tentei dar razão ao que sentíamos, para que fosse inteligível que te amasse.
Não sonhávamos as mesmas coisas, não queríamos os mesmos lugares, não gostávamos dos mesmos sabores. Não víamos os mesmos programas, e não ouvíamos as mesmas musicas. Não sabíamos dançar os dois - calcávamos os pés um do outro, e sorriamos.
Não éramos iguais, sabíamos disso, e mesmo assim, amávamo-nos.
Não interessava que não quisesse o mesmo lugar que tu, porque desde que te tivesse por perto, tudo fazia sentido. Desde que o teu ombro fosse meu todas as noites, que os teus lábios me acordassem de manha, que as tuas lágrimas se soltassem junto com o teu sorriso quando me visses chegar, tudo era perfeito.
Eu fui só tua.
Desde a primeira vez, por todos os dias.
E hoje, tinha de falar contigo.
Porque era mais um dia nosso, mais um motivo para celebrar como tantos que fomos sabendo inventar.
“Não me deixes”. Apetecia-me pedir-te.
Apetecia-me pedir-te só mais um dia, só mais uma hora. Só mais um beijo.
Apetecia-me pedir-te que antes de partires me deixasses o teu cheiro, o teu olhar e a tua voz, porque acho que sobreviveria assim.
…Pedir-te que me roubasses só mais uma vez a alma do corpo, como fazias quando adormecíamos os dois, as minhas costas no teu peito, os teus lábios no meu cabelo.
Pedir-te que me chamasses “pateta”, como me baptizaste e me eternizaste na nossa história.
Hoje é o nosso dia, e eu não sei o que faço aqui. Não sei como passar o tempo sem sonhar com a hora em que vais chegar, dar-me um presente que adivinho, com um bilhete que finjo ficar surpreendida de receber. Sem planear ao detalhe o momento em que trago o bolo, com três velas e canto para nós, com o rosto rasgado em felicidade.
Sem te achar o homem mais lindo do mundo quando me abraças e me dizes ao ouvido
“amo-te princesa”.
Não sei como dormir, como passar a noite de hoje sem te sentir a passear os dedos na minha pele.
Não sei, hoje mais do que nunca, como convencer a razão que não há razão para que nos amemos mais.
Porque hoje, o dia de hoje, é feito de uma praia, de um vendaval e de gaivotas.
É feito de nós.
(sinto a tua falta).
*Mó
17.06.09
“Já não preciso de contar histórias. Deixo cair todos os efeitos lustrosos e atinjo o próprio coração do amor, essa tinta espessa que flutua sobre o tempo e transfigura tudo aquilo em que toca. Pode ser uma palavra amachucada, uma flor que envelhece, um búzio onde ainda cintila o mar onde já não vive. Pode ser o teu rosto de ontem, ou o que dele resta para hoje. O que importa não é o enredo, a forma, nem sequer a cor.
O que importa é a circulação conjunta de um corpo e de uma alma em torno do despojado sedimento da sua verdade.”
“Fazes-me falta”, Inês Pedrosa.