segunda-feira, março 02, 2015

Do amor de cada dia

Flores no jardim
e alecrim na cozinha.
A vizinha, velhinha,
bate na porta e pede sal.

A torta a cheirar no quintal.
O gato a dormir,
ronronando,
e o rádio ao fundo
tocando.

Sonhos pendurados nas janelas
e um jantar à luz das velas.

Livros pelo chão,
um copo de vinho na mão.

As crianças, cansadas
depois das histórias contadas
dos dentes lavados
e dos pijamas vestidos,
estão adormecidas.

E falamos, de mãos dadas
sobre nossas vidas:

"É a loiça por lavar
e o quarto bagunçado,
como é bom assim, amar
do teu lado."

Mónica
28.02.2015

segunda-feira, fevereiro 09, 2015

CICLONE

Declararam que seria magistral.
Que viria um vendaval,
que correria um tormento
e que pelas ruas haveria
uma tempestade que seria
colossal.

Mandaram que se ficasse atento.
Que se atentasse ao vento
e àquele momento
em que tudo mostrasse
contratempo.

Disseram que podia ser ciclone.
Ou um furacão,
Ou um tufão
Ou até um tornado!
- é que um homem assustado
vai além da razão.

Contaram tanta desventura
dessa tempestade
que não tinha alma nua
pela cidade.

Ninguém saia de casa:

“Vai que o vento me leva
vai que a chuva me arrasa!"

“é que eu não sou peixe!"

“e eu não tenho asa!"

Ninguém se atrevia
a abrir a janela nesse dia.
Trancas nas portas
e luzes apagadas.
Flores guardadas
nas sacadas.

Só que ele não sabia
De nada.
E ela andava meio
Desligada.

Estava nublado,
e ele desavisado

saiu à praça
só pra ver quem passa.

Ficou lá um bocado.
Tinha algo errado 
que não entendia!

Não havia, não havia!
Ninguém, naquele dia.

Ela morava lá do lado.
e com o céu acizentado

Decidiu descer à praça.
Pra ver quem passa.

Só tinha ele.
Só tinha ela.
E nenhuma luz à janela.

Ficaram abestados
Envergonhados
Acatados,
Quase
quase
apaixonados.

E sozinhos, nessa praça
Onde ninguém passa,
começou uma chuva mansa.

E eles, desavisados,
em vez de ficarem assustados
começaram uma dança.

Diz que dançaram tanto
que a chuva se encantou
e que por conta desse encanto
o tormento nem chegou.

Não houve ciclone,
Trovão, ou tempestade,
chuvada ou alagamento.
Mas houve um sentimento.
E uma história de verdade:

Unidos pelas mãos
Seguiram dançando no vento,
Respirando e
Pulsando a cada batimento
uma vontade:

Que aquele momento
deixasse saudade.

E dizem que desde então
sempre que há informação
Que uma tempestade
Ameaça,
Milhares de casais da cidade

Descem à praça.



08.02.2015 (sobre o “ciclone” de dia 05.02)


segunda-feira, dezembro 29, 2014

(de Fátima)


Dum jeito manso, adoçicado,
cebelo negro
vestido bordado
foste chegando
do lado.

Sereia de terra
moreno rasgado.

Fugi pelo mato, 
quebrei o meu pacto
e não mais me reconheci
desde o momento

exacto

em que te vi.

O teu cheiro no vento
esse corpo, nessa saia.

Que caia! Que caia!
O coração que sustento!

Esse que vai dentro do peito
bem em cima da costela.

Que caia! 
Que é meu o direito
de gostar tanto dela. 

29.12.2014

terça-feira, março 25, 2014

sub-feliz.

"Sub-feliz." 

Li sobre isso hoje pela primeira vez e fiquei a pensar, fiquei a sentir-me para ver se ainda me sentia. Sub-feliz, sub-desiludida, sub-iludida. Sub-vida.

Vibrou nas paredes firmes que fui construindo, e elas, não tão firmes assim, abriram fendas.Vibrou nas certezas e nas certas desconfianças. Vibrou que não há confiança nessa sub-certeza.
Houve uma de mim que foi certinha demais, organizadinha demais, direitinha demais e por ser demais, sub-amou. Sub-viveu. Morou num lugar racionado, estrutura planeada, tão certa e tão organizada: 

sorrir sem gargalhar, comer sem engordar, pedir sem implorar, entristecer sem chorar, beijar sem tocar, ir sem despedir, amar sem preencher,
sub-sentir
sub-viver.

E houve uma em mim toda errada, toda desencontrada, mas que tinha uma certeza mais certa do mundo todo e de todos os universos imaginários, imaginariamente reais, infinitamente certos e profundos.
Houve um dia uma em mim que só sabia da tristeza em mares de lágrimas, de sorrisos em rosto rasgado, de exageros e prazer, de beijos de filme, histórias de livro, amores de imensidão.

Amores de paixão. Vida de amor. Dias de VIDA.

Inteira, intensa, imensa. Maravilhada, menina, misteriosa, menina - Mulher.

E essa que houve um dia, construiu um dia portas abertas, janelas iluminadas, cheias de incertezas e sonhos.
cheia de amor, de presente, de agora.


E hoje, nas fendas abertas dos muros certos de uma sub-felicidade, de uma sub-vida, essas portas e janelas apareceram. 
Invadiram de luz. 


E de hoje, de agora, já só poderei ser feliz. 
Só poderei Ser.
Quem fui.
Quem sou.



I don't want to judge


What's in your heart
But if you're not ready for love
How can you be ready for life?
How can you be ready for life?




So let's love fully
Let's love loud
Let's love now

(Soko: We might be dead by tomorrow)

quinta-feira, janeiro 12, 2012

The longer the waiting, the sweeter the kiss

26 dias. 624 horas. 37440 minutos.

O tempo multiplica-se na medida em que diminui a unidade de contagem, como se micro partículas de momentos o pudessem fazer crescer. Como se só dividindo se pudesse multiplicar, como se somando não pudessemos mais aumentar os digitos da contagem.

191 dias. 4584 horas. 275040 minutos. E o oceano marcou a passagem, o pé que torceu, a tua mão na minha, teu corpo balançando com o meu. Quando as palavras todas se esgotam num silêncio, os olhos fecham, respiramo-nos, e os lábios apavorados de se perderem, se encontram.
Ouvir-te sussurar naquela madrugada soa até hoje. Bom dia todos os dias, boa noite todas as noites. E depois o silêncio, os lábios que cada vez mais perdidos se encontram. Os teus nos meus, os meus nos teus, e os olhos que fecham na noite, que erguem no dia.

Das 24 horas do dia não penso em ti em todas elas. Mas sinto-te em todos os minutos, e nem te penso. Quando chove, quando o sol rasga lá de cima, quando sinto frio, ou sinto quente, quando sinto fome e sede, sinto-te. Em continuação de mim no outro, sinto-me a continuar-te em mim. Não ser teus olhos mas ver-me reflectida neles ao olhar como me olham, e como recordo a todos os minutos, que me olham. Ver-me em ti clarifica-me.
E dos medos que sinto, que sim, sinto muitos.
E das asas que não quero guardar, sinto os voos que queremos voar.
E do regresso, da chegada, sinto-te abrir a porta, tirar os sapatos, e abraçar-me no inicio do corredor.

26 dias meu amor. Contagem dura, a de contar para trás enquanto se quer olhar para a frente. Sinto-te quando vou, em pensamento, 26 dias à frente e me despeço. Sinto-te como quando vou 191 dias atrás e me apresento. A chegada e a partida, duas páginas da mesma folha. Como o lá e o cá, como o nunca mais e o para sempre. Como tu e eu, e o nós no vértice. Um vértice. Tu e todos os pesos do que trazes, eu e todas as solidões, e um vértice de nós.
E vértices unem no tempo em que mudam direcções, onde vamos? Onde estamos agora?

Como queria que pudesses ouvir o que eu não sei verbalizar. O que o verbo não explica e a carne não expõe, que é do mundo íntimo das minhas chegadas, das viagens infinitas, da carne do avesso. Pele por dentro, tecidos para fora, coração na cabeça, pés nos ombros, mãos no chão. 26 dias meu amor. Medo que vai ficando sereno, da despedida que vai ficando presente. Levava-te comigo, casava-te comigo, com alianças de papel, recicláveis em todos os bons dias de lábios perdidos. E as despedidas seriam as boas noites de olhos fechados. Só isso, mais as 24 horas entre os dois, em que te sinto todos os minutos ainda que não te pense.

Contos de fadas...dizes-me que não é bom quere-los, e eu que sou deles fico sem entender. Contos são contos, e tudo são contos. As histórias que se montam entre o ir e o voltar, sabedoria do que fica e o que vai, do para sempre e do nunca mais. A contagem do tempo - 26 dias. 624 horas. 37440 minutos. - é do tamanho do conto, é do universo das fadas.
A contagem do amor - lábios perdidos, olhos fechados, bom dia, boa noite - é do faz de conta que escolhemos fazer. Porque seremos sempre um vértice, um faz de conta que é ponto, faz de conta que é linha, que pára ou que caminha.
Mas a doçura do ponto, ou da linha, e o reflexo de mim no teu olhar, de ti no meu, faz do faz de conta um conto de fadas. Faz da linha que trazemos de medos, de pesos, de solidões um faz de conta que não dói, faz de conta que já passou.

Abraça-me. Segura-me entrelaçado. Casa comigo com aros de papel revisitados todos os amanhãs. E conta às fadas, com esse teu sussurro que ouço - ecoado à 191 dias, ou mais horas, ou ainda mais minutos - que foram felizes para sempre, ainda que ninguém saiba quanto tempo é o tempo do vértice. Ainda que vértices não tenham tempo nem espaço, façamos o nosso para sempre no lugar do avesso onde moramos em nós.

26 dias, e vou.
Vens?


Though we won't be together again 'til the spring
Just imagine the treasures I'll bring

Come lay with me, stay with me, soon I'll be gone
I will remember you all winter long
And when I return to the one that I miss
Oh, the longer the waiting, the sweeter the kiss
The sweeter the kiss

When the mornings are warm and the valleys are green
I'll come back from wherever I've been

Oh, the longer the waiting, the sweeter the kiss
It's better my darling, I promise you this
the next time I hold you, I'm not letting go
I will give up the ocean forever, I know
Forever I know.

quarta-feira, dezembro 14, 2011

Ana Borboleta



Esta carta é para ti, mesmo sabendo que talvez nunca a vás ler. Esta carta é para mim também, que por umas horas, poucas, curtas, fui puxada a ler-te.


Vinhas de camiseta preta, eu de camiseta branca e trazias o rosto baixo, o sorriso escondido. Baixei-me, olhei-te nos olhos “Como te chamas?”, “Ana Beatriz, tia. E você?” “Eu sou a Mónica, dás-me um beijinho?”


O rosto levantou, o sorriso abriu e não fechou mais.


Abri o teu bolo, pus a palhinha no teu suco, demos as mãos. E não as soltamos até agora. Tens 8 anos, dezenas de abraços, centenas de sorrisos, milhares de sonhos. Era para eu te acompanhar, ficar junto, não te deixar fugir, não te deixar perder, cuidar de ti. Foste tu que me foste encontrando, me agarrando, me tirando o sorriso tímido que eu afinal tinha e nem sabia.


“Tia, você tá triste?” “Não Ana, porquê?” “Eu também fiquei triste, você tem cachorro? Eu tinha um, roubaram de mim e eu fiquei muito triste. Meu tio bateu na minha tia, minha mãe pegou um facão e furou o carro do meu tio. Ele roubou o meu cachorro e eu nunca mais o vi...Mas tia, vamos brincar de esconde esconde? Eu escondo e você me acha!”


Disse-te que não, e foram os únicos nãos que te disse. Que não estava triste (sei que não acreditaste) e que não te escondias para que eu te achasse... Não porque não te quisesse achar, mas porque não te iria poder perder. Não de mim, não ali.


Conversámos e fizemos o nosso papai Noel. Puxaste-me para perto do palco, abraçaste-me a cintura, deste as mãos, entrelaçamos os dedos. Pediste colo, ofereci-te as cavalitas, os ombros, ofereceria-te um voo de pássaro se o tivesse.


Agarravas-me o rosto, pulavas em mim, pulamos juntas como se fossemos extensão das asas uma da outra.


Um beijo, e outro, e abraços, e dança e risos, muitos risos. Perdia-me dentro dos teus olhos de sonho, encontrei-te dentro dos sonhos que eu também já soube ter. Aprendi em cada silêncio, cada sorriso, e em cada palavra. Vi-te perdida procurando os meus olhos e os meus esconderijos... invadiste-me!


“Tia, você fica tão mais bonita sem óculos, sabia?” Roubavas-me os óculos, roubavas-me as máscaras e eu ia contigo. Borboleta, Ana Borboleta, de asas maiores que o espaço, de viagens maiores que o tempo. Entendeste-me, raptaste-me e eu quis ir, deste-me tanto mais do que o que eu achei merecer. Disseste-me ao ouvido que eu merecia tudo, que te merecia ali, anjo criança, malandra doçura, sonho de asas e olhos negros:

“Vou sentir saudade tia, vai-me visitar, vai?”


Apertadas uma contra a outra, uma dentro dos medos da outra, a brincar de esconde esconde, ou de acha acha, a brincar de amar e sentir saudade, a brincar de perder e procurar, a brincar de nós. De “quando eu for grande”, de “quando eu era pequena”, as duas num meio tempo que nos tornou iguais. Ana Borboleta de cabelo rebelde, sardas no rosto, barriga a doer de tanto algodão doce, bochecha redonda de tanto sorriso! Esta carta que não sei se vais ler, diz tão menos do que tudo o que dissemos. E tudo o que dissemos é tão menos do que tudo o que vivemos, que aprendemos, que nunca se vai perder em nenhum jogo de esconde esconde da vida.


Porque eu, Ana Borboleta, “Te amo, do fundo do meu coração.”

Mó*



quarta-feira, janeiro 12, 2011

I'll never know

what looks my eyes
how smells my neck
what tastes my kiss
what sounds my voice
how hugs my arms.

and even then
I should love myself.
*Mó

segunda-feira, dezembro 20, 2010

Is not the point that you are leaving.
Is not the reasons that make me go.
Is not your brain,
Is not my soul,
Is nowhere we can reach
or the time to reach there.


Is just staying somewhere.

Between heaven and land,
Sea and sand,

Breeze before wind

sketch before plan.

Is me without feet,

you an invisible man.

Mó*
20.12.10

sexta-feira, junho 18, 2010

Fomos embora sem despedidas.

Dissemos que seria melhor assim, que não havia mais caminho a fazer, mais sítio onde chegar. Soltamo-nos, partimo-nos e partimos, mas não nos despedimos.

Constrói-se o vazio inultrapassável que nos divide, o tempo estrutura esse abismo.
Tu de um lado, eu do outro, ainda nos vemos (cada vez mais longe).

Não me despedi nunca de ti porque não o saberia fazer ainda que o quisesse, porque nunca o quis, ainda que o soubesse, porque quando as mãos se soltaram, no dia em que fomos embora, disse em silêncio "até já".



Fui ao lugar do vento e das gaivotas, sabias? Onde te sonhei tantas vezes, onde nos reconhecemos dentro de nós, desde a nossa primeira alvorada. Ainda te vi lá, sabias? Pouco nítido, mas presente.

Ainda não me despedi de ti.

Tenho noites cheias do cheiro da tua pele, dias infinitamente pesados com a nossa saudade. Abro a memória e está lá um mar inteiro, com o vento todo, as gaivotas incontáveis, os beijos, os silêncios, as promessas e as sombras, o som da tua chegada, a ânsia do teu encontro, o grito da partida.

Não me despedi de ti, meu amor.

Não deixo que o pó sedimente o passado e o construa fechado. A ferida está aberta, não lhe vejo o tamanho para saber quanto tempo leva a curar, ou se é a melhor cura fazer com que feche.

Vou vendo aos poucos o nosso vazio e dentro dele gritam todos os erros que fizemos. Também eles não se despedem de nós.


Fomos imprudentes, irresponsáveis, impacientes. Fomos cruéis com a sorte, duros com o amor, e transformamos o tesouro em passado.

Perdemos-nos talvez, mas ainda assim não nos despedimos.


A perda é dos que não se sabem amar, mas a despedida é apenas dos que não se amam mais.


06.06.2010
*Mó

quinta-feira, junho 10, 2010

A perda é dos que não se sabem amar, mas a despedida é apenas dos que não se amam mais.

(não me despeço de ti)

Mó*



Há muito tempo
era uma vez
um homem que se perdeu
da sua amada,
e vagueou
por entre as nuvens do céu.
Perguntou à mais pequenina
se a tinha visto ao passar
depois à nuvem mais carregada
nenhuma o podia ajudar.
E assim passou tanto tempo
tecendo mil planos
em fios de algodão
que se desvaneciam
em nuvens no seu coração.
Todas as nuvens
da sua rua
foram à sua janela
escureceu, adormeceu
ficou a sonhar com ela.
E o mau tempo passou
o sol despontou
numa festa de cor
de manhã todas as flores
sabiam de cor
onde estava o seu
amor...

Pelas nuvens _ interpretado por Graça Reis.

terça-feira, fevereiro 09, 2010

leaving. loving. living.

Have no fear
For when I'm alone
I'll be better off than I was before

I've got this light
I'll be around to grow
Who I was before
I cannot recall

Long nights allow me to feel...
I'm falling...I am falling
The lights go out
Let me feel
I'm falling
I am falling safely to the ground
Ah...

I'll take this soul that's inside me now
Like a brand new friend
I'll forever know

I've got this light
And the will to show
I will always be better than before

Long nights allow me to feel...
I'm falling...I am falling
The lights go out
Let me feel
I'm falling
I am falling safely to the ground


domingo, janeiro 24, 2010

Re-encontro marcado
do encontro adiado
(ontem).

Não havia ninguém...
ninguém que aparecesse
(como combinado).

Não havia quem
se tivesse lembrado,
ou tivesse lembrado
alguém
(do encontro marcado).

Meio dia
(e o relógio atrasado)

O dia
adivinha o fado.

Era hoje.
É agora.

No presente que ofereçe o passado.
(É a hora).

Todos decidiram aparecer.
Tu, e eu.
Ninguém atrasado.

Eu sei que andamos
o que o caminho quiser.


(Que quando me encontrar
ter-te-ei encontrado).


26.09.09
*

sábado, outubro 17, 2009

(everything's a memory, with strings that tie to you)

Acabou-se a magia.

Agora o mundo é real, a tua ausência é real, e as páginas em branco têm outro sentido. Agora o futuro é diferente visto daqui e o passado ganha a força da eternidade. Está tudo lá atrás, nos tempos em que não havia nada além de nós, em que éramos o que a alma nos quisesse dar.

Sempre os dois, só os dois.

Mas agora, não somos mais. As portas da tua casa, as janelas do teu quarto, por onde eu entrava para proteger o teu sono, fecharam-se à nossa frente, entre nós. Partimos os dois, sozinhos os dois, às cegas por esta trilha estranha, esta condição de navegar sem par.
Não sei se seremos capazes de andar neste caminho novo, ou velho, neste retorno ao que um dia fomos antes de nós.



Já sinto falta do brilho cor de âmbar que tinhas quando me olhavas. Tão raro que não entendi de onde vinha.
Sinto falta de cair no teu colo, voar nos teus braços, beber os nossos sonhos.

Mas isso agora está tão longe de nós meu amor, preso nesse passado que tem outra força mas que não existe mais.

Alimentámos a flor?
Regámos as sementes na alvorada?

Deixámos o vento e a chuva fazerem-no por nós, somos um campo dourado de flores secas.


Não sei quando é que deixei de saber sonhar-te sem limites, quando é que os braços me começaram a cansar, quando é que te quis ver de longe e não fui capaz de completar a imagem.
O que fomos juntos sei-o bem, mas o que éramos antes de nós, além de nós, já não soube desenhar. Como se não tivesse entendido a tua solidão junto com a minha, ou a tua luta antes de mim, ou os teus segredos. Por trás do âmbar doce que trazias nos olhos eu não conhecia o teu olhar.

Talvez porque brilhasse demais, ou talvez porque eu não soubesse olhar-te.

Não sei se o nosso amor nos prendeu ao mundo que criámos, ou se nos impediu de nos vermos inteiros.

Ás vezes, amor, o que nos dá a vida é o mesmo que nos mata.


O presente há de saber arrumar as coisas dentro de nós; o passado fica guardado, relembrado doce, às vezes amargo, infinito. O futuro é uma promessa cheia de incertezas, de oportunidades e desilusões.

Que a magia regresse a nós, e ao caminho que soubermos cumprir.

Até sempre, meu amor.



*Mó
03.10.09

terça-feira, setembro 08, 2009

pinxepe.




Parece que desceu o pano.

Os actores recolheram, a música acabou, as luzes apagaram. Ninguém saiu da sala. As lágrimas ainda não tiveram tempo de secar, coladas no rosto que vibrou. Atadas ao coração que sentiu.

Não houveram aplausos, eu não os ouvi. Não havia público, afinal.

Era a nossa peça, o nosso enredo, o nosso cenário.
Era a nossa música, no nosso tempo, nas nossas mãos.

Essa peça, atrás desse pano que agora desceu, era a nossa vida. A vida juntos que não chegamos a ser.

Fica um lugar confuso, entre a esperança e o desalento, porque escrevemos as linhas juntos, e agora não as sabemos ler.

O pano desceu.

Foram todos embora, menos eu e tu. Ficamos na memória de nós.

Porque não há drama depois do esquecimento, porque não há amor antes do sonho.
Sonhamos, sonhamos tanto...e isso, ainda que por trás do pano que agora desceu, é o que continua a vibrar dentro de nós.

Sejamos gratos pela história que soubemos escrever.

E antes que a sala feche, antes que tenhamos de sair, de nos despedir na porta onde um dia entramos, quero que saibas que te amo. Pelo que fomos, pelo que seremos para sempre...mesmo que não retornemos ao palco onde soubemos sonhar.


(não nos esqueças)

Mó*
08.09.09

sexta-feira, agosto 07, 2009

(n)a minha cabeça, sobre o meu corpo.



Segura a tua cabeça em cima do teu corpo.

Inspira.

Repete o processo, reverte o resultado.

Respira.

Respiremos, agora os dois, duma só vez.


Vês?
Sentes o que vês?


Então fecha os olhos.
Beija-mos.

Beijemo-nos.


Segura a minha cabeça.

Em cima do meu corpo.


Respiro.

Sinto-me. Sinto-te a sentires-te também.


Silêncio.

Solidão partilhada.



Vamos a um lugar onde o tempo que passa é o mesmo tempo que fica por passar.

Vamos agora?


(fechemos os olhos, e cheguemos lá...
talvez...)


Mó*

segunda-feira, agosto 03, 2009

Nunca pensei




(Hoje, eu acordei, e nem pensei no fim da linha
Hoje, eu levantei, e segurei a flor da vida, em vida, ergui os meus pés do chão

Nunca pensei que fosse fácil para mim
Que fosse fácil para ti, mas tentei
Não ser sombra de ti
E ter desejos para mim
Não ser apenas a luz do jardim

Foi por ti que eu roubei, Dei-me a ti, Só por ti pequei
Mas por mim, Partirei, sei que não voltarei para dizer, Meu amor

Nunca pensei que fosse fácil para mim
Que fosse fácil para ti, mas tentei
Não ser sombra de ti
E ter desejos para mim
Não ser apenas a luz do jardim)


sombras do desejo - donna maria